Um dia decidi cair.
Atirar-me de lá. Ao ver-me aproximar da beira, um uníssono “NÃO!”. Um abismo
era o que todos viam. Um mar calmo e de águas límpidas a meus olhos.
Hesitei. Poderiam dois
olhos ver melhor que tantos outros juntos?
Face a face com a
dúvida, restou olhar para dentro e perguntar. De olhos cerrados, ouvia o som do
marulhar, não ouvia ventos ocos.
A voz sussurrava-me, tu
sabes.
E eu sabia.
E por isso deixei-me
cair.
O splash senti-o na
pele, a liberdade na alma.
Navego hoje, a água leva-me
sempre ao destino. E se não for hoje, é amanhã.
Liberta do corpo de
mulher, podia ser sereia. Mas já não preciso definir-me.
Laura está em frente ao placard de partidas do
aeroporto, tenta decidir para onde irá desta vez.
Acaba de aterrar e, mais uma vez, não encontrou o
que procurava.
Olha para a sua bagagem. A pequena mala está cada
vez mais gasta, pergunta-se quantas viagens mais aguentará.
Em cada nova viagem torna-se mais difícil de
fechar, o que a fará estar tão mais pesada agora? – pergunta-se Laura. Para
mais, parece-lhe cada vez mais pequena.
Talvez seja apenas o cansaço a falar.
Volta ao placard, as pequenas letras luminosas não
lhe indicam o destino. Já tentou a maioria deles.
Desvia por momentos os olhos do néon, talvez
precise mesmo descansar.
Encontra um banco livre e vai sentar-se por um
pouco.
Nota então, lá ao fundo, uma banquinha com
publicidade a destinos de viagem.
Decide ir ver, talvez lá encontre uma ideia de
destino.
Puxa pela sua mala; até as rodas parecem já estar
demasiado gastas, mas prometeu que a levaria sempre consigo, em cada viagem,
até encontrar o que procurava.
Tantos panfletos espalhados, nem sabia por onde
começar!
Foi pegando em alguns, destinos turísticos, cada um
com a sua finalidade, praia, museus…
Folheou-os, leu-os, a maioria eram destinos
conhecidos, os poucos que restavam não lhe pareciam prometedores.
Ia desistir da ideia dos panfletos, quando chegou
alguém, devia ser a responsável pela banquinha.
Pegou num panfleto e estendeu-lho. “É este que
procuras!”
Estranhando, Laura hesitou. “Toma”
Laura pegou-lhe, curiosa, percebendo que,
curiosamente, se sentia agora menos cansada.
Abriu o panfleto.
Lá dentro, apenas um espelho.
Foto: Kawika Singson
***
Este conto foi publicado originalmente aqui, no Blog Pense fora da caixa. Descubra também os meus textos neste espaço.
O dia está tão silencioso que posso ouvir os ponteiros do relógio a moverem-se, compassadamente. Mas tão, tão lentamente. Tão lentamente, que entre cada minuto, posso rever a minha vida toda na minha cabeça. Num minuto de trás para a frente, no minuto seguinte, da frente para trás. Significará isso que o tempo ora passa devagar, ou que a vida foi curta, no que importa contar?
Nos dias em que o significado das coisas me abraça, são essas as perguntas que me faço. E com a falta de respostas, o relógio anda mais devagar, e esse abraço aperta-me ainda mais, quase não me deixa respirar.