Quem lê / Who's reading

"a escrita é a minha primeira morada de silêncio" |Al Berto

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Chá de romã

Está pronto
O meu chá de romã
Vermelho não é
Mas a vermelho me sabe
Sento-me entre as almofadas
Absorvo o aroma
Embalada pelo calor da chávena.
Esqueci o açúcar
Mas não importa
Pois mais me lembro de ti
De quanto doce já não é
Agora sem ti.
Eu, aconchegada
Apenas
Pelo meu chá de romã.


terça-feira, 29 de outubro de 2013

Ar

Amarras, algemas, grades.
             Prendem-me a ti.
Nós, cadeados, ferros.
                      Feitos de ar.
Prisão , ilusão?
               Nem uma delas.
Entrega, apenas.

          Livre, sempre, mais.




Este poema foi publicado originalmente aqui, no Blog Pense fora da caixa, onde colaboro regularmente. Visitem!

sábado, 26 de outubro de 2013

Eu alva

Deitaste-me
Naquele tapete vermelho
Eu alva
Percebi que podia fazer ali
O meu chão
Ao ver reflectido
Em teus olhos
O que não podia dizer
Amor
Para ti não são precisas
Palavras
Despe-me apenas
A minha pele
Gritará
O que eu não sei dizer.


Das conversas com o Amor

Foto da web, Autor desconhecido

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

sábado, 19 de outubro de 2013

Loucura

# Monólogos da Desalinhada #
-- Isa Lisboa --

A Loucura fala comigo.
Procura-me

Senta-se à minha frente.
Fala-me com normalidade.

Sem perguntar se. 
Olha-me nos olhos.
Lê-me.
Fala comigo
Entendo-a melhor que à Sanidade.

Serei Louca,
Quando me sinto Sã?
Estarei Livre,
Quando me sinto Presa?


Arte: Gioia Cordovani



quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Lisboa, na Augusta

.Lisboa.
És o castelo, imponente
Nas muralhas, outrora protectoras
Que agora nos observam.
És a luz sobre os telhados,
Do alto dos miradouros.
És os Jerónimos
E os descobridores ao fundo.
És o Tejo, de ninfas ora invisíveis.

.Lisboa.
Do Tejo me vem esta imagem
Da rua ao cimo
De nome com idade
Rua pombalina
Ladeada de outras preciosas
Acolhe os meus passos
Num qualquer fim de dia.
Ao cimo as vendedoras de flores
Se está frio,
Aroma de castanhas me invade
Estátuas vivas mais abaixo
Imóveis ao som de uma concertina
Quem sabe, outro dia,
De um fado improvisado
Lisboetas anónimas
Turistas encantados
Todos te enchem,
Mas hoje sinto-me
Só eu
Contigo, Augusta, o Tejo ao fundo.



Esta foto é uma foto de uma foto. Infelizmente não consigo aqui transmitir toda a qualidade que ela tem. A foto original é de Maricruz Suarez. Convido-vos a descobrirem o original em www.maricruzsuarez.com


Para conhecerem melhor a Rua Augusta, vejam aqui:


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Escondida?


Bola de sabão
Fortaleza valida
Se esconde lá?

Bike, by Duchamp
Inalcançável
Castelo altaneiro?
Porta aberta.

---

Estes haiku foram publicados originalmente aqui, escritos para o blog Tubo de Ensaio - Laboratório de Artes, um blog onde colaboro com regularidade.
Convido-vos a todos a conhecerem este espaço e os seus maravilhosos autores!

sábado, 12 de outubro de 2013

Meu farol

Foto: Google, Autor desconhecido


Eras tu, não eras? No outro dia, ao fundo da sala? Escondias o rosto na sombra daquele canto, mas vi os teus olhos, eles brilham em qualquer escuridão. Pelo menos sempre brilharam na minha, qual farol a afastar-me dos rochedos.
Pois é, eu era um barco desgovernado, tinha perdido o interesse pelas estrelas e até pelo Norte, só as ondas e o vento – ora me puxando, ora me empurrando – me levavam a algum lugar.
Quando vi que me aproximava da costa fiquei confusa, e ao mesmo tempo receosa. Depois de tanto tempo tornara-me loba do mar, terra era para mim um local estranho.
Não concebia afastar-me das ondas, daquele marulhar que após tanto tempo já me adormecia, daquele sol que não me matava a sede, mas que me mantinha viva.
Mas já que o vento me levava a terra, porque não descer?
Sensação estranha, essa a de pisar a areia molhada, era fresca como o mar, mas ao mesmo tempo falava-me já da terra.
Atrás de mim o vento trazia-me o som dos búzios, à minha frente, o seu irmão falava-me do perfume das folhas das árvores, da resina dos seus troncos.
Avancei devagar, ignorando o que ia ali encontrar.
Quando te vi, sobressaltei-me, assustada por não seres uma criatura marinha.
Ao mesmo tempo, também não me parecias uma criatura da terra, daquelas que eu lembrava.
Isso acalmou-me. Sempre tive dificuldades em falar essa língua, agora talvez já não me lembrasse sequer dela. Talvez contigo fosse mais fácil, os teus olhos pareciam ver o mar que me habita, abraçado a esse pedaço de terra sem bandeira, onde mapa nenhum leva…
E por isso, em vez de voltar para a água fiquei a observar-te, presa ao teu olhar também curioso.
Trocámos poucas palavras, foi uma daquelas conversas , em que elas são o bastante, porque o que fica por dizer não é importante.
Pernoitei no me chão do mar, mas o colchão já não me parecia o mesmo, o meu sono já não era mais quieto.
Voltei a terra e tu passeavas lá , casualmente, como se não me esperasses.
Por ti troquei o mar pela terra, mas tu partiste, afinal não eras faroleiro, apenas o meu farol.
Deixaste-me um pouco da tua luz, é com ela que encontro o caminho na escuridão, esta outra.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Não é importante



             Não é importante                                                                                Não é importante
                    Este golpe na pele                                           Este pedaço que se partiu;
                      Do sangue que se perde                                           Não é importante
                      Não necessito para sobreviver                 Esse outro que se esfuma
                          A hemorragia estancará                    Lentamente desaparece
                                   E o resto com o tempo           O pequeno buraco
                                                   Cicatriza           Ninguém o verá


terça-feira, 8 de outubro de 2013

sábado, 5 de outubro de 2013

Doem-me as tatuagens

# Monólogos da Desalinhada #
Isa Lisboa

Doem-me as tatuagens. Não era suposto doerem-me, não agora. Era suposto ter sido apenas aquela dor – a da tinta a entranhar-se, pigmento a pigmento, a gravar-se em mim. Só essa dor. Momentânea.

Dor que se transformaria em cor, num desenho que ficaria para sempre, mas que me faria sorrir quando me olhasse ao espelho. Que me faria sorrir por ter vencido as cicatrizes, por delas ter criado algo de belo, que não mais doía ao olhar, que não mais afastava os estranhos, que não mais me afastava a mim. Que não mais me faria empurrar para longe quem se aproxima.

Doem-me as tatuagens. Doem-me como se fossem velhas feridas, daquelas que doem nos dias de frio. Doem-me como se fossem um membro estraçalhado, tirado de mim para que o sangue doente não mais passasse e não fizesse estragos no que sobrasse. Tira-se uma parte de nós, mas ela continua a doer, nos dias de chuva, nos dias de calor, nos dias em que tudo dói.

Dói-me e sei que estou viva, dói-me e sei que já vivi. A dor diz-me que nada do que fazia sentido, o faz mais, que me enganei em tudo o que esperei, que me enganei em tudo o que dei.

Doem-me as tatuagens, as que fiz com raiva, e mais ainda as que fiz com amor. O amor, em qualquer das suas formas, tem tanto o poder da cura milagrosa, como o poder de tudo devastar.

O lado negro do amor é como se fora uma bomba atómica. A ele poucos sobrevivem, e quando a explosão se dá, aqueles de nós que ficam de pé, não mais se reconhecem, o corpo já não é o nosso. Na alma ficam sulcos, enormes, como se foram machadadas, investidas por um lenhador inexperiente, que em vez de cortar o tronco em duas estocadas misericordiosas, investe várias vezes, tantas vezes, deixando ali lascas perdidas, indiferente à seiva que corre, perdida no chão da floresta.


Doem-me as tatuagens, as que fiz para lembrar, ainda mais as que fiz para esquecer. Já não era suposto doerem-me, escondi as cicatrizes com elas…

Arte: Sam Spratt

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Mudanças

Ao acordar algo me parecia diferente no quarto. Não conseguia perceber o quê. Talvez fosse apenas sono, ainda.
Saí para a manhã e a luz não era a mesma dos dias antes. Em quê era diferente, não conseguia perceber. Era meio tom mais clara, ou mais escura, mas meio tom apenas. Fosse como fosse, parecia iluminar-me mais.
O dia foi correndo, e tudo era igual, mas diferente. Estava definitivamente diferente.
Foto: hand_hands_reflection_ by Suri
Mas continuava sem perceber o quê.

Observava tudo e todos, mas em nada e em ninguém conseguia identificar o que estava diferente do dia anterior.
Passei em frente a uma montra, e vi algo que parecia dar-me a resposta, mas era hora de seguir, o dia avançava, não podia ficar ali a procurar.
Cheguei a casa, já de noite, o céu estrelado estava diferente, não sabia bem em quê, a porta de casa parecia diferente, não sabia bem em quê. A chave entrou, a porta abriu, ainda estava em casa, apesar do dia diferente.

Parei então; ao passar em frente ao espelho, lá estava a resposta que havia apenas vislumbrado antes. Não a vi logo, mas quando parei e olhei, vi.
Era o meu espelho que estava diferente, o que ele me devolvia estava diferente.


Este conto foi escrito e publicado originalmente no Blog Pense fora da caixa, onde colaboro regularmente.
Convido-vos a ler as minhas outras publicações lá, bem como as dos restantes autores.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Mensagens populares / Popular messages