Quem lê / Who's reading

"a escrita é a minha primeira morada de silêncio" |Al Berto

sábado, 29 de setembro de 2012

Tempo / Time

Efémero, by Isa Lisboa


Queria falar com o Tempo, perceber se tem razão quem tanto o critica. Não me parece ser assim tão caprichoso quanto o acusam.

Talvez mais caprichoso seja quem o tenta parar… Pois, afinal… É o Tempo que se dissolve ou somos nós que o dissolvemos?


I wanted to talk to Time, understand if those who criticize it are right. It doesn’t seem as arbitrary as it is accused of.

Maybe the whim is on those who try to stop it… Because, after all… Is it Time who dissolves or are we the ones who dissolve it?

sábado, 22 de setembro de 2012

Vazio / Empty

Foto: Jeff Belmonte

E foi assim. Um dia acordei e estava vazia.
O quarto era o de sempre, os lençóis e a almofada onde me deitei, a mobília no sítio habitual. Mas o resto de mim estava vazio.
Não tudo, tinha memórias. Mas parecia que não eram minhas, via-me nelas, mas não sentia que as tinha vivido. Mas também não tinha memórias a oferecer como alternativa.
Olhava as minhas mãos, pareciam-me transparentes, apesar de conseguir tocá-las uma na outra.
Mas era uma estranha a mim mesma.
Por vezes somos como um copo de água, quando lhe deitamos demasiado líquido, ele transborda.
Mas não foi assim.
O copo está vazio. Não transborda. E nada de meio cheio ou meio vazio.
Apenas vazio.

+++++++++

And so it was. One day I woke up and I was empty.
The room was the same as always, the sheets and pillows were I’ve laid down, the furniture in the usual place. But the rest of me was empty.
Not all, I had memories. But it seemed they weren’t mine, I could see myself in them, but I didn’t feel I had lived them. Yet, I had no memories to offer in return.
I looked at my hands, they seemed transparent, even though I can touch them one another.
But I was a stranger to myself.
Sometimes we are like a glass of water, when we pour too much liquid, it overflows.
But it wasn’t so.
The cup is empty. It doesn’t overflow. And no half full or half empty.
Just empy.

sábado, 15 de setembro de 2012

Visita da lua / Visit from the moon


(Anda comigo ver os aviões, Azeitonas)

A lua veio visitar-me, hoje o céu é só dela, domina-o, assim toda vestida de branco.
Imensa, como no dia em que me levaste ao cimo da colina. Estávamos tão perto dela, que parecia que se estendesse a mão a tocaria. Não me atrevi a tentá-lo, receando que se a tocasse, iria tudo desfazer-se, a lua, a colina, tu ali comigo.
No céu, passou um avião, viam-se as pequenas luzes. Aquele avião vem do outro lado do Mundo, traz histórias de aventuras, de pessoas parecidas connosco, mas que ouvem uma música diferente. Um dia vou levar-te lá, dizias-me.
Tinhas olhos de menino grande, mas no teu olhar não pareciam caber todos os teus sonhos.
E eu queria, queria que me levasses ao outro lado do mundo, queria que todos os teus sonhos se cumprissem. E queria conhecer essas gentes de que me falavas, perceber a sua música, dançar com elas.
Mas antes de tudo isso, queria que o sol não viesse, queria apenas ficar ali, contigo, a ver-te desenhar sonhos no céu que já não era mais da lua…

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The moon came to visit me, today the sky is hers alone, she dominates it, all dressed in white.
It’s immense, like in the day you took me to the top of the hill. We were so close to her, it seemed that if I reached my hand I would touch it. I dared not try it, fearing that if I touched it, everything would crumble, the moon, the hill, you there with me.
In the sky, an airplane passed, we could see the little lights. That plane is coming from the other side of the world, it brings adventure stories, of people like us, but who hear a different song. One day I'll take you there, you told me.
You had big boy’s eyes, but all your dreams didn’t seem to fit in there.
And I wanted, I wanted you to take me across the world, wanted all your dreams to be fulfilled. And I wanted to meet these people you were talking about me, understand their music, dance with them.
But before all this, I wished the sun would not come, I would just stand there with you, watching you draw dreams in the sky that was no longer the moon’s...

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Quase / Almost

(A mim manera, Il Divo)

Já tinha colocado o vestido, e a pequena gargantilha.
O cabelo, não lhe dava muito trabalho, escovava-o e ficava bonito, liso, como sempre. Apenas a cor já não era a mesma, mas continuavam bonitos, no seu novo tom.
Recusava-se a cortá-lo, uma das suas amigas chamava-a de Sansão, mas não se importava. Ainda conseguia tratá-lo, massajá-lo delicadamente com o seu champô e penteá-lo demoradamente, escová-lo cem vezes, como sempre tinha feito.
Isso ainda conseguia. Passar o batôn e a sombra era mais difícil. Exigia mais precisão e as mãos já lhe tremiam. Mas queria pôr um pouco de maquilhagem. Não para tapar as rugas, são inevitáveis, sulcos da vida. Só um batom leve, rosa, já não usaria batom vermelho, agora que já não havia lábios para beijar.
Há anos que se divorciara, um pequeno escândalo na altura. Ainda o amava, irremediavelmente. Mas os seus dias já não eram tristes, já não chorava de solidão, como nos dias em que ele lhe trazia flores, tentando que o seu perfume disfarçasse o perfume que trazia colado á roupa. Um diferente cada dia. E cada dia lhe dizia que és tu que importas, é para ti que volto.
Não tiveram filhos, talvez se tivesse tido, estaria aqui na mesma, sem ninguém que a ajudasse com a maquilhagem, como a maioria das suas amigas.
Mas a jovem assistente viria ajudá-la, tinha-lhe prometido uma caixa enorme de maquilhagem em troca.
Não a podia censurar, supunha, parecia-lhe que o ordenado que ela ganhava não era proporcional à mensalidade que pagava naquela casa de repouso.
Um luxo que podia agora oferecer-se, depois de muitos anos antes ter recusado a pensão de alimentos do marido, com apenas um emprego instável como trunfo.
Quem diria que uma pequena ideia, formada naquele escritório com pouca luz, um dia cresceria da forma que cresceu…
Já estava então pronta, ao sair reparou no álbum de fotos em cima da cama. Voltou atrás e colocou-o no lugar.
Olhou-se novamente ao espelho. Lembrou-se de quando o espelho lhe devolvia um rosto contornado por enormes cabelos negros. “Envelheci”, pensou, “E ainda estou bonita. Quase não teria valido a pena. Quase.”

(Enviado para a "Fábrica das Letras")

Baseado num trabalho de Sherlin Rezaeia

She putted on the dress, as well as the little neckless.
The hair, wasn’t much trouble, she would brush it and it would look beautiful, smooth as always. Only the colour wasn’t the same, but it was still beautiful in its new tone.
She refused to cut it, one of her friends called her Samson but she didn’t care. She could still take care of it, massage it gently with the shampoo and comb it patiently, brush it a hundred times, as she had always done.
That she still could do. Put on lipstick and eye shade was more difficult. It required more precision and her hands already trembled. But she wanted to put a little makeup. Not to cover the wrinkles, they are inevitable, furrows of life. Just a light lipstick, pink, she would no longer wear red lipstick, now that there were no lips to kiss.
They had divorced years ago, a minor scandal at the time. She still loved him, hopelessly. But her days were no longer sad, no longer she cried from loneliness, as in the days when he brought her flowers, trying to disguise the perfume in his clothes. A different one each day. And every day he would say you are the one I care for, the one I came back to.
They had no children, maybe if they had, she would still be here without anyone to help her with the makeup, like most of her friends.
But the young assistant would help her, she had promised her a huge box of makeup in return.
She couldn't blame her, she thought, it seemed that the salary the girl earned was not proportional to the instalment she paid in that nursing home.
A luxury she could now afford, after many years earlier she refused the alimony from her husband, with only one unstable employment on her sleeve.
Who would have thought that a small idea, formed in a low light office one day would grow the way it has grown...
Now she was ready to leave, she noticed the photo album on the bed. Went back and puted it in place.
She looked at herself in the mirror again. She remembered when it returned a face skirted by an enormous black hair. "Grown old," she thought, "I'm still pretty. Almost would not have been worth it. Almost. "

sábado, 1 de setembro de 2012

Borboleta / Butterfly




Mulher-borboleta - Isa Lisboa, (Baseado numa foto da web)


Um dia a crisálida torna-se em borboleta.

Algumas vivem escondidas sob a forma de mulher.


***


One day the crysalis becomes a butterfly.

Some live hidden under the shape of a woman.

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Deixei a minha casa – segura – e parti em busca de mim mesma. Perdida, procurava um espelho onde me visse como sou. Um local ermo. Onde não ouvisse as vozes que me confundem. Uma árvore, de onde me lançar, e experimentar as minhas asas, há tanto escondidas.
E, no meio da viagem, encontrei-te a ti. E quis ficar, porque vi. Em ti poderei despir-me ao chegar, adormecer nua, nunca terei frio.
Em ti posso voar.
Borboleta e mulher.

*****
I left my house –safe – and I went searching for myself. Lost, I looked for a mirror where I could see myself as I am. A lost place. Where I didn’t listen to voices witch baffle me. A tree, where to launch myself from, and try my wings, hidden for so long.
And, in the middle of the journey, I found you. And I wanted to stay, because I saw. In you I can undress when I arrive, fall asleep naked, I will never be cold.
In you I can fly.
Butterfly  and woman.




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