Quem lê / Who's reading

"a escrita é a minha primeira morada de silêncio" |Al Berto

sábado, 12 de outubro de 2013

Meu farol

Foto: Google, Autor desconhecido


Eras tu, não eras? No outro dia, ao fundo da sala? Escondias o rosto na sombra daquele canto, mas vi os teus olhos, eles brilham em qualquer escuridão. Pelo menos sempre brilharam na minha, qual farol a afastar-me dos rochedos.
Pois é, eu era um barco desgovernado, tinha perdido o interesse pelas estrelas e até pelo Norte, só as ondas e o vento – ora me puxando, ora me empurrando – me levavam a algum lugar.
Quando vi que me aproximava da costa fiquei confusa, e ao mesmo tempo receosa. Depois de tanto tempo tornara-me loba do mar, terra era para mim um local estranho.
Não concebia afastar-me das ondas, daquele marulhar que após tanto tempo já me adormecia, daquele sol que não me matava a sede, mas que me mantinha viva.
Mas já que o vento me levava a terra, porque não descer?
Sensação estranha, essa a de pisar a areia molhada, era fresca como o mar, mas ao mesmo tempo falava-me já da terra.
Atrás de mim o vento trazia-me o som dos búzios, à minha frente, o seu irmão falava-me do perfume das folhas das árvores, da resina dos seus troncos.
Avancei devagar, ignorando o que ia ali encontrar.
Quando te vi, sobressaltei-me, assustada por não seres uma criatura marinha.
Ao mesmo tempo, também não me parecias uma criatura da terra, daquelas que eu lembrava.
Isso acalmou-me. Sempre tive dificuldades em falar essa língua, agora talvez já não me lembrasse sequer dela. Talvez contigo fosse mais fácil, os teus olhos pareciam ver o mar que me habita, abraçado a esse pedaço de terra sem bandeira, onde mapa nenhum leva…
E por isso, em vez de voltar para a água fiquei a observar-te, presa ao teu olhar também curioso.
Trocámos poucas palavras, foi uma daquelas conversas , em que elas são o bastante, porque o que fica por dizer não é importante.
Pernoitei no me chão do mar, mas o colchão já não me parecia o mesmo, o meu sono já não era mais quieto.
Voltei a terra e tu passeavas lá , casualmente, como se não me esperasses.
Por ti troquei o mar pela terra, mas tu partiste, afinal não eras faroleiro, apenas o meu farol.
Deixaste-me um pouco da tua luz, é com ela que encontro o caminho na escuridão, esta outra.

5 comentários:

  1. Bravo Isa ... " Deixaste-me um pouco da tua luz, é com ela que encontro o caminho na escuridão "... Belíssima prosa poética ! Um forte abraço !

    ResponderEliminar
  2. Isa, gostei muito da frase destacada por Sandro, uma outra que me chamou bastante atenção também foi: "os teus olhos pareciam ver o mar que me habita, abraçado a esse pedaço de terra sem bandeira, onde mapa nenhum leva…
    Demais como sempre!

    ResponderEliminar
  3. Bonitas metáforas para caracterizar o amor, a paixão e a solidão e nos emana quando o pensamento e a reflexão partindo dos problemas vistos vêm.
    (Não sei se minha inferência é válida, mas a deixo aqui).

    ResponderEliminar
  4. por vezes basta-nos um pouco dessa luz que nos deixam....

    :)

    ResponderEliminar
  5. Mesmo sem a presença constante do farol
    Foi ele que te fez chegar a terra
    Deixar a deriva do mar
    Do vento
    Talvez, tenha sido essa a luz que ficou.
    A do caminho.

    Gostei muito da tua prosa.

    beijinho

    ResponderEliminar

Um espaço para recortes que completem o álbum de instantâneos... Obrigada pela visita!
A space for clip to complete this snapshot album... Thank you for your visit!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Mensagens populares / Popular messages