(Parte II)
Noite
de bruxas.
A
lua cheia ilumina-me o caminho, por entre uma chuva fininha que deixa pequenas
marcas na estrada, como que a deixar a marca do caminho de volta a casa. Que
neste momento não sei se quererei encontrar.
Chego
às mesmas ruas estreitas, direita, esquerda, em frente, direita. Lá continua o
velho coreto, a olhar-me imponente, como se me conhecesse a mim e ao meu
destino. Olhei à volta e encontrei as escadas, subi.
De
lá de cima via-se a vegetação à volta, densa, envolta por um nevoeiro que
parecia poder tocar-se.
De
entre essa nuvem branca surgiu uma sombra na noite, que se materializou ao meu
redor, sussurrou-me ao ouvido “Vem comigo”, e eu disse sim. Envolveu-me na sua
capa e levou-me, esquerda, frente, direita, esquerda, vento, árvores, perdi o
caminho.
“Onde
estamos?” – quis eu saber.
“Em
minha casa” A mesa já estava posta para os dois, não queria jantar, queria
perguntar-lhe tanta coisa, queria dizer-lhe tanta coisa, mas ele puxou-me uma
cadeira, sentei-me.
Satisfez-me
a curiosidade, deixou que o inundasse de perguntas. Calei-me então, e ganhei
coragem para lhe dizer: “Tens vindo visitar-me, aos meus sonhos.” “De dia sou
eu, de noite, estou contigo.”
E
estendi-lhe a mão, “Quero que me vejas, como eu te vi naquela noite.”
Segurou-me
a mão, gentilmente, apertou-a entre as suas mãos de fábula, e libertei a minha
alma, para que a visse, para que se visse como eu o via.
Quando
abri os olhos, vi que os seus estavam tristes. Que se passa?, perguntei. Não
devias querer estar comigo. Porquê? Tens apenas uma vida para viver, não a
eternidade de momentos para desperdiçar. E porque seria desperdício, estar
aqui, contigo? Lembras-te do que te disse? Apenas numa noite do ano estou
visível aos humanos… Eu sei, mas senti-te comigo nas outras noites, até durante
o dia… Apostaria que estavas perto… Estava perto, mas não te poderei nunca
tocar, apenas ver-te dormir, enquanto sonhas. Mas hoje não…
Lá
fora a chuva aumentou, batia forte nos vidros, podia imaginá-la a formar um
rio, um rio que nos renovaria.
E
assim ao som da chuva, a nossa pele se fez igual, as mãos, os braços, os lábios,
iguais, podiam tocar-se, sem medos, sem mais que o outro. E assim numa noite
amei como se um ano fosse, como apenas numa noite mágica o poderia fazer. Deixei
de ser eu, deixou de ser ele, na realidade não interessava, tudo éramos nós.
O
nascer do sol aproximava-se, percebeu. Trouxe-me um cálice e ofereceu-me. “Não
são lágrimas de feiticeira?” – Perguntei. Sorri. “Não, não quero prender-te
mais. Nunca mais.”
Era
quente, doce, mas tinha um toque amargo, bem lá no fundo, quase imperceptível,
mas que ficou a escorregar-me na garganta, tentando libertar-se do doce. “O que
é?”
“Chá
de Lethe” (*). Tocou-me docemente numa madeixa do cabelo, com um olhar de
saudade que me deixou confusa, beijou-me de novo e eu deixei-me ir, esqueci o
toque amargo do líquido que acabara de beber.
...
Tenho
acordado sobressaltada, os sonhos não me deixam. Não os entendo, voo pela
serra, mas não tenho asas, nem sequer corpo, voo e não chego a lugar nenhum,
limito-me a deambular, perdida nos céus da serra. Todos os dias sonho, todos os
dias o sonho me acorda. Antes sonhava que bebia um vinho rubro, o vidro
quebrava-se-me nas mãos, o líquido inundava o chão e eu fundia-me com ele, não
me afogava, apenas deixava de existir ali. Agora sonho com os céus da serra.
Sonho
em sobressalto, acordo e sinto um vazio que não sei tocar, a que não sei dar
nome.
O
meu caderno tem algumas folhas arrancadas. Não sei porquê. Talvez tenha lá
escrito os sonhos de outras noites, porque me parece que já estive neste sonho
antes.
...
Tenho
menos sonhos agora. As noites são mais calmas. Os dias também. Eu não.
Está
sol. O dia está bonito. Mas espero a noite. A lua é mais bonita, faz inveja ao
sol. A noite é silenciosa, posso sentar-me a ouvir. Oiço muitas coisas à noite,
muitas histórias, muitos murmúrios. Tento ouvir-me a mim mesma, há algo que
tento ouvir. Mas não sei o que é. Mais difícil encontrar, quando não se sabe o
que se procura.
...
A
lua está tão bonita hoje. Ali, no cimo da colina. Parece que dorme no seu
regaço. Junto à casa da colina. Sempre me fascinou, aquela casa, escondida lá
em cima. Não sei bem porquê. Um dia irei lá.
Na Grécia Antiga, Lete ou Lethe (em grego antigo λήθη;
[ˈlεːt̪ʰεː], grego moderno: [ˈliθi]) literalmente significa
"esquecimento".
Na mitologia grega Lete é um dos rios do Hades.
Aqueles que bebessem ou até mesmo tocassem na sua água experimentariam o
completo esquecimento.
********
Halloween night.
The full moon illuminates my path,
amidst a thin rain that leaves small marks on the road, as if to leave a trail
to my way back home. That I do not know if I'll want to find.
I arrive to the same narrow streets,
right, left, forward, right. There is still the old bandstand, looking at me,
imposing, as if he knew me and my destination. I looked around and found the
stairs, went up.
From the top I could see the vegetation
around, dense, surrounded by a fog that I seemed to be able to touch.
From the white cloud a shadow in the
night appeared, that materialized around me and whispered in my ear, "Come
with me", and I said yes. He wrapped me in his cloak and took me, left,
forward, right, left, wind, trees, I lost the way.
"Where
are we?" - I wanted to know.
"In my house." The table was
already set for them, I didn’t want dinner, I wanted to ask him so much, but he
pushed me a chair and I sat down.
He satisfied my curiosity, left me make
him lots of questions. Then I stoped, and I gathered the courage to tell him,
"You have come to visit me in my dreams." "By day I am me, in
the night, I am with you."
And I stretched out my hand, "I
want you to see me like I saw you that night."
He held my hand gently, squeezed it
between his fable hands, and freed my soul, for he saw her, so that he saw himself
the way I saw him.
When I opened my eyes I saw that their’s
were sad. What's
up, I asked. You should not want to be with me. Why? You only have one life to
live, not the eternity of time to waste. And why would it be wasteful, to be here with you? Remember what I told
you? Just one night of the year I'm visible to humans ... I know, but I felt
you with me on other nights, even during the day ... bet you were close ... I was close, but I can never touch you, just to see
you sleep, while you dream . But not today...
Outside, the rain increased, pounded the
windows, I could imagine it to forming a river, a river that would renew us.
And so, to the sound of rain, our skin
was made equal, hands, arms, lips, equal, we could touch without fear, no more existed
than us. And so, in one night I loved as if it were one year , as just in a
magical night I could do. I stopped being me, he was no longer him, in reality
did not matter, all was us.
The
sunrise approached, he realized. He brought me a cup and offered me. "Are
there tears of the witch?" - I asked. I smiled. "No, I don’t want to
hold you over. Never again. "
It was hot, sweet, but had a bitter touch,
deep down, almost imperceptible, but that was a slip in my throat, trying to
free up the candy. "What is it?"
"Tea of Lethe" (*). He touched
me sweetly in a lock of hair, eyes of longing that confused me, kissed me again
and I let myself go, forget the touch of bitter liquid that I had just drunk.
...
I startled awake, the dreams will not
let me sleep. Do not understand them, flying in the mountains, but I have no
wings, nor body, I fly and go nowhere, I just wander, lost in the skies of the
mountain. Every day I dream, the dream every wakes me up. Before I dreamed that
I drank red wine, the glass broke up in my hands, the liquid flooded the floor
and I blended it with me, I didn’t drown, just ceased to exist there. Now I dream of the
skies of the mountain.
Restless dreams, I wake up and I feel an
emptiness that I can not touch, do not know how to name.
My notebook has some plucked leaves. I
don’t know why. Maybe there I had written the dreams of other nights, because I
think I've had this dream before.
...
I
have less dreams now. Evenings are quieter. The days also. I am not.
It is sunlight. The day is
beautiful. But I hope for the night. The moon is more
beautiful, the sun is jealous. The night is quiet, I sit down to listen. I hear
many things at night, many stories, many murmurs. I try to listen to myself, there’s something I try to listen. But I
don’t know what is. More difficult to find, when you don’t know what you're
looking for.
...
The
moon is so beautiful today. There, at the top of the hill. It seems to be sleeping on it’s lap. Next to the house on
the hill. Always fascinated me, that house, hiddenup there. I'm not sure why.
One day I will go there.
In Ancient Greece, Lethe or Lethe
(in ancient Greek λήθη;
[ˈlεːt̪ʰεː], Modern Greek: [liθi]) literally means
"forgetfulness".
In Greek mythology, Lethe is one of
the rivers of Hades. Those who drink or even touch water experience complete
oblivion.
fabuloso este teu post, Isa!
ResponderEliminaro video é emocionante
faz "inveja" a qualquer mulher ;)))
o relato dessa tua noite é delicioso
a casa da colina..., nunca fugir do que nos fascina
adorei!
beijo.
Ainda que o nos fascina pareça querer fugir ;)
EliminarObrigada, beijo!
Your words are beautiful... dreamy.
ResponderEliminarOlá Isa, cara amiga, bom dia aqui, boa tarde aí!
ResponderEliminarVenho para, além de deixar meus votos de um final de semana esplendoroso, registrar meu orgulho e satisfação por ter demonstrado interesse em participar do meu evento enviado seu texto. Estejas certa de que sua participação irá abrilhantar e enriquecer o 1º Contos e Prosas.
Muito obrigado!
para onde foram os sonhos das folhas arrancadas?
ResponderEliminaro lugar onde já estivemos antes
beijinhos
Adorei o teu sonho, que transformaste num excelente conto.
ResponderEliminarIsa, tem um bom fim de semana.
Beijo.
.
ResponderEliminar.
. sinto.me por ora em casa . mesmo sob olhares atentos . a palavra ganha aqui . a dimensão própria .
.
. gostei .
.
.
Já gostei mais deste tipo de eventos !
ResponderEliminarseria a realidade o sonho?
ResponderEliminarou o sonho a realidade?
talvez, fosse um pouco dos dois, como a vida.
Beijo