Quem lê / Who's reading

"a escrita é a minha primeira morada de silêncio" |Al Berto

sábado, 5 de janeiro de 2013

Petra

El Tango de Roxanne, Moulin Rouge


Onde mora Petra?
Todos a conheciam, na última casa ali ao fundo, aquela pequenina, de telhado vermelho, com a luz mais fugidia da rua.
Bateu à porta, uma mulher que passava olhou-o, como se já o tivesse visto antes.
Petra veio à porta, o que fazes aqui? Agora não é hora de trabalho e nunca atendo aqui, esta é a minha casa.
Vim ver-te, Petra, quero falar contigo, deixa-me entrar.
De todos os seus clientes, Tomás era o mais gentil. Por vezes, até a fazia achar que o Mundo era belo, como nos livros que tinha sempre consigo, que às vezes lhe lia.
Deixou-o entrar.
Petra, vou-me embora, chamaram-me à cidade.
Não precisavas vir aqui dizer-me isso, atirou Petra, surpreendida pela amargura que reconheceu na sua voz.
Quero que venhas comigo.
Não sejas tolo, que iria eu fazer contigo??
Recomeçar, disse-lhe ele, comigo. Sabes bem que te amo, que…
Amor? – interrompeu-o. Palavra estranha aquela, sempre o achara. Nem me conheces, não me chamo Petra, sequer.
Vem comigo e muda o nome para o que quiseres.
Petra sabia que o amor era efémero e que Tomás seria um dia do Mundo, do Mundo dos seus livros, que escreveria novas páginas, de outros livros. E que ela não teria, então, lugar nesse Mundo.
Sou Petra e serei sempre Petra. Vestida em vermelho fulgurante, despida em lençóis baratos, oculta pela noite.
Amada entre quatro paredes, pensou Petra. As paredes que abafaram o resfolegar húmido do primeiro dia. Que abafaram o som das lágrimas que acabaram misturadas em suor, ignoradas nos lençóis.
Petra sabia que para lá daquela porta só chegava quem procurava enganar a solidão. A maioria procurava apenas libertar o desejo. Alguns procuravam o amor de ilusão consentida.
Petra não precisava ensaiar, fazia o seu papel de improviso, sempre de acordo com o argumento que esperava quem chegava.
Assim era amada por uma hora, uma noite. E esquecida no dia seguinte.
Sou Petra, não sei ser mais ninguém. Serei Petra até que o meu corpo murche e deixe de ser bonita na luz fraca da noite. Pertenço à penumbra, sou Petra à noite, durante o dia sou ninguém. Deu-lhe um beijo leve nos lábios e empurrou-o para a porta. Adeus.

A noite estava a chegar.

**

Do you know where Petra lives?
Everyone knew her, the last house in the corner there, that little one, with red roof, and the most elusive light on the street.
He knocked on the door, a woman passing looked at him as if she had seen him before.
Petra came to the door, what are you doing here? Now is not the time for work and never receive clients in here, this is my home.
I came to see you, Petra, I want to talk to you, let me go in.
Of all her clients, Thomas was the kindest. Sometimes he even made her think the world was beautiful, like in the books that he had always with him, that sometimes he read to her.
She let him in.
Petra, I'm leaving, I was called to the city.
You did not have to come here to tell me this, threw Petra, surprised by the bitterness she recognized in her own voice.
I want  you to come with me.
Don’t be silly, what would I do with you there?
Start over, he told her. You know I love you, you ...
Love? – She nterrupted him. Strange word that one, she had always thought so. You don’t know me, even my name, it’s not Petra.
Come with me and your name to whatever you want.
Petra knew that love was fleeting and that Thomas would be of the World one day, the World of his books, he would write new pages in other books. And then she would not have a place in this World.
I am Petra and will always be Petra. Dressed in brilliant red, undressed in cheap bed sheets, hidden by the night.
Loved between four walls, thought Petra. The walls that muffled the damp snort of the first day. That drowned out the sound of tears mixed with sweat, which ended up ignored in the sheets.
Petra knew that through that door only came those who seeked to deceive solitude. Most sought only to liberate desire. Some sought the love of consented illusion.
Petra did not need to rehearse, she did her part improvising, always according to the argument that those who came expected.
So she was loved by one hour, one night. And forgotten the next day.
I'm Petra, I can not be anyone else. Petra I will be until my body wither and I cease to be beautiful in the dim light of the night. I belong to the gloom, I'm Petra at night, during the day I am nobody. She gave him a light kiss on the lips and pushed him toward the door. Goodbye.

The night was coming.

10 comentários:

  1. Minha querida

    Poderia ter sido uma linda história de amor num outro tempo e noutras circunstâncias.
    Um texto muito belo mesmo, adorei.

    Um beijinho com carinho
    Sonhadora

    ResponderEliminar
  2. Quanta ousadia convidar alguém a ser outro assim de repente. Já pensou? Atirar-se num mundo que não este, que outro onde se estranha e não se sabe. rs
    Eu já fiz isso, mas para muitos, como a Petra que já é outra pelo que entendi é uma tarefa que gera desconforto. Melhor ficar e ser o que se é, se sabe, se reconhece e não ser ninguém nas horas brancas. rs

    bacio

    ResponderEliminar
  3. Petra de Pedra, ou Petra,
    que não acredita que se possa mudar

    somos o que somos, e ficamos presos a Petra e à sua casa no fundo da rua


    um abraço, Isa





    ResponderEliminar
  4. Ser Petra. Ter a doçura de Petra.
    Petra ama.
    Um xero pra vc!

    ResponderEliminar
  5. Pois...Petra ama e o amor adoça a alma.
    Linda narrativa.

    Beijo amiga e boa semana.

    ResponderEliminar
  6. Nada importa, se o que se e e pronto!!

    Fiquei deliciada com tua narrativa!
    Beijinho

    ResponderEliminar
  7. acho que Petra podia ter aceite a "aventura"

    gostei mas achei muito triste, embora ache que há muitas Petras por aí...

    boa semana

    beijo

    ResponderEliminar
  8. há quem tente mudar,ou finja que é...

    há quem mude e continue a ser o que sempre foi,

    há quem finja que é o que não é.

    e de que vale nada?

    gostei bastante do texto,

    beijos

    ResponderEliminar
  9. Um belo conto...

    Mas o tempo todo ela soube até onde poderia chegar...

    Abçs

    ResponderEliminar
  10. Já o tinha partilhado em seu tempo, mas releio-o com prazer.
    Há neste conto algo pungente que avassala a alma da leitora. Não sei dizer o que seja, mas não é necessário...

    => Crazy 40 Blog
    => MeNiNoSeMJuIz®
    => Pense fora da caixa

    ResponderEliminar

Um espaço para recortes que completem o álbum de instantâneos... Obrigada pela visita!
A space for clip to complete this snapshot album... Thank you for your visit!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Mensagens populares / Popular messages