Quem lê / Who's reading

"a escrita é a minha primeira morada de silêncio" |Al Berto

sábado, 30 de março de 2013

Barco salva-vidas / Lifeboat

Rokia Traoré –Kélé Mandi

Era hora de lançar o salva-vidas à água.
Tinha forças para remar, mas a falta de bússola deixou-me sem saber para onde ir.
Já tinha esquecido o conhecimento ancestral das estrelas-guia, julgo que todos o transportamos connosco, na nossa memória herdada. Mas as luzes do Mundo fizeram-nos esquecê-lo.
E ali estava eu, iluminada pelas estrelas, sem entender o que me diziam. Era, pelo menos, reconfortante tê-las ali comigo.
Tive sede, mas não podia beber, a água estava cheia de medos, não se devem beber, especialmente quando a incerteza nos abraça.
Decidi que devia parar, fechar os olhos, para melhor ouvir as estrelas, o som das ondas.
E então percebi que não havia remos, nem sequer bote, flutuava nas águas, agora calmamente.
A minha cápsula salva-vidas não era mais que o meu corpo. E então a minha alma aquietou-se. Ouvia as estrelas, o mar, a terra ao longe. E soube que ia entendê-los e que a terra me esperava.
Para todos há, algures, a Terra Prometida.

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It was time to launch the lifeboats into the water.
I had the strength to paddle, but the lack of  a compass left me not knowing where to go.
I had forgotten about the ancestral knowledge of the stars-guide, I believe that we all transport it with us in our inherited memory. But the lights of the world have made us forget it.
And there I was, under the light of the stars, without understanding what they told me. It was at least comforting to have them there with me.
I was thirsty, but could not drink the water, it was full of fears, we should not drink it, especially when uncertainty embraces us.
I decided I should stop, close my eyes, the better to hear the stars, the sound of waves.
And then I realized that there were no waves or even boat, I floated in the waters, now calmly.
My capsule lifeboat was nothing more than my body. And then my mind quieted. He could hear the stars, the sea, the land in the distance. And I knew I would understand them and that the land was waiting.
For all there is, somewhere, the Promised Land. 

terça-feira, 26 de março de 2013

Fogo / Fire

Love me - Yiruma

Com uma calma inquietante, o fogo
devorou todos os meus poemas.
Aqueles
que escrevi para ti.

Aqueles
que na realidade
nunca leste.

Tão rápido,
o fim
das palavras.
Tão rápido
fosse
eu esquecer-me
de ti.

Pudesse eu soprar
as cinzas
da memória
para longe.

Mas o fogo não devora
fogo.
Fogo não cura
o Amor.

*-*

With an uneasy calm, the fire
devoured all my poems.
those
I wrote to you.

Those
witch in reality
you never read.

So fast,
the end
of words.
so fast
it could be
to forget
you.

Could I blow
the ashes
of memory
away.

But the fire does not devour
fire.
Fire does not heal
love.

sábado, 23 de março de 2013

Not invited!

Foto da web

Não conhecia aquela rua, os prédios eram apenas betão e metal, a pouca luz que transparecia não chegava para me ajudar a ver o que havia em frente.
Tão pouco sabia como tinha ido ali parar.
A calçada parecia-me gasta, escura, ou então era a escuridão da rua a enganar-me.
Pareceu-me que havia olhos na janela, procurei-os, apenas recebi relâmpagos frios e indiferentes; de uma das janelas até uma ponta de desdém pareceu descer.
Apoiada nas paredes que pareciam querer escapar-se-me entre os dedos, cheguei ao fundo da rua e encontrei a curva que procurava.
A poucos passos, estava o edifício iluminado, de onde ouvia já sons abafados, de música.
Dirigi-me à porta, alguém que eu não conhecia veio abrir.
Dei-lhe o nome que me pediu, estranhei enquanto o procurava.
“Não foi convidada!”
E sem mais, fechou a porta!
Deixei de ouvir qualquer som de música, e também esta rua ficou escura e desconhecida.

+-+-+-+-+

I didn’t know that street, the buildings were just concrete and metal, the little light that shone was not enough to help me see what was ahead.
As little as I knew how I had gotten there.
The sidewalk seemed used, dark, or else the darkness in the street was cheating me.
It seemed there were eyes in the window, I looked for them, just got cold and indifferent lightnings, from a window a bit of disdain seemed to descend.
Backed on the walls that seemed to want to escape between my fingers, I came down the street and found the curve I sought.
A few steps away, the building was lit, where from I already heard muffled sounds of music.
I went to the door, someone I didn’t know came to open it.
I gave him the name he asked me, thought it was strange, while he looked for it.
"You’re not invited!"
And without anything else, he shut the door!
I no longer hear any sound of music, and also this street was now dark and unknown.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Nua / Naked


Baseado no meu ultimo post e em alguns dos comentários que me deixaram aqui…:

Nua

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Pele, músculo, osso.
Empurrada, nua, na rua.
.Alma.
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Based on my last post and on some of the comments left here:

Naked

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Skin, muscle, bone.
Pushed, naked, on the street.
.Soul.
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sábado, 16 de março de 2013

Skin / Pele

Brian Cain, Wind

You took all my skin off. In just a few seconds, all my veins were in sight, showing the blood, flowing in it’s own rhythm towards the destination. And coming out again. Showing each one’s pulse, the more anxious, jumping from time to time, the more calm, enjoying the sight.
With another movement, they came off too.
Only muscles, now. Trying to hold together. All little fibres getting closer as if they were trying to form a sweater.
At last, I saw myself as only bones, glued to each other, desperately, sadly, keeping formation.
It was winter. I started getting colder. Got worse when I realized I was no longer inside. I was in  the middle of the street. At rush hour.
Some didn’t even noticed me. From the ones who saw me, only a few looked at me. Those smiled. The others kept on going, faster, faster.
It was getting so much colder now. And I got mad. How could you? Put me so undressed, in the middle of the street, in winter? How could I left… How…
A click. Bones touching.
People started moving even faster now.
So did my senses. I felt warmer.
So I asked time and space to stop, so that I could see them. And all the runners.
I saw the bandages some had on the skin, holding it together.
I had to peek, see if they were made of bone, just like me. They were.
They must have been on that spot once, too. Naked on the street. But they had bruises from the cold. They seemed to have dressed the skin back in a hurry. If the zipper got stuck, they’ve used glue.
Some made it harder on me. They had too much makeup. Through a slight breach, I saw them moving like pretty dolls, with perfect hair, tied in perfect little pig tails, having an imaginary cup of tea.
They looked at me, too. They politely said I should get dressed.
No, not yet.
I want to know what it’s like to kiss if you have no lips, and to touch if you have no skin. And I want to look at you, now that we are both free.

Writen 18.Nov.2005

***

Arrancaste-me a pele. Em apenas alguns segundos, todas as minhas veias estavam à vista, mostrando o sangue a fluir ao seu ritmo rumo ao seu destino. E saindo de novo. Mostrando o pulsar de cada uma, as mais ansiosas, saltando de tempos a tempos, as mais calmas, apreciando a vista.
Noutro movimento, também elas foram arrancadas.
Apenas músculos, agora. Tentando manter-se juntos. Todas as pequenas fibras juntando-se, como se estivessem  a tentar formar uma camisola.
Finalmente, vi-me como apenas ossos, colados uns aos outros, desesperadamente, tristemente, mantendo a formação.
Era inverno. Comecei a ficar com mais frio. Piorou quando percebi que já não estava em casa. Estava no meio da rua. Na hora de ponta.
Algumas pessoas nem sequer repararam em mim. Dos que me viram, apenas alguns olharam para mim. Esses sorriram. Os outros continuaram, mais rápido, mais rápido.
Estava a ficar mais frio agora. E então fiquei furiosa. Como pudeste? Deixar-me assim tão nua, no meio da rua, no inverno? Como pude eu deixar…Como…
Click. Ossos a tocarem-se.
As pessoas começam a mover-se mais rápido agora.
Também os meus sentidos. Senti-me mais quente.
E então pedi ao tempo e ao espaço para pararem, para que eu os pudesse ver. E a todos os corredores.
Vi as ligaduras que alguns tinham na pele, segurando-a.
Tive que espreitar, ver se eram feitos de osso, assim como eu. Eram.
Devem ter estado naquele lugar, um dia, também. Nus na rua. Mas tinham feridas do frio. Parecia terem vestido a pele à pressa. Quando o fecho emperrou, usaram cola.
Alguns dificultaram-me a vida. Tinham demasiada maquilhagem. Por uma pequena brecha, vi-os a moverem-se qual pequenas bonecas, com cabelo perfeito, atado em totós perfeitos, tomando uma chávena de chá imaginária.
Também eles olhavam para mim. Educadamente, disseram-me que devia vestir-me.
Não, ainda não.
Quero saber como é beijar, quando não tens lábios, e tocar quando não tens pele. E olhar-te, agora que somos ambos livres.

Retirado do baú, 18.Nov.2005

quarta-feira, 13 de março de 2013

O meu cantinho/ My little corner

Berço, Isa Lisboa

Isa Lisboa é uma personagem que vive há anos impressa em páginas brancas, que guardo na minha caixa de Pandora. Decidi agora libertá-la e deixar a sua voz correr por estas páginas virtuais. A sua história coincide por vezes com momentos da minha vida. Noutros instantes, a Isa ganha voz e conta-me ela mesma a sua história. A Isa é teimosamente idealista, apesar de saber que alguns mundos não podem ser mudados, porque não o querem. Gosta que a façam sorrir, e ainda mais que a façam rir. Emociona-se com a força de quem podia desistir e mesmo assim luta sempre. Irrita-se com a pequenez de quem não sabe estar na grandeza. Sente-se minúscula perante a vista vertiginosa do cimo de um penhasco e perante a placidez de um pequeno lago. É esta a Isa...Ou serei eu...?

Foi assim que a Isa saiu de mim para o Mundo. Não foi uma separação particularmente difícil ou traumática, ainda que ao início tenha suscitado dúvidas em ambas. Em mim, que não sabia se estava preparada para a libertar. E na Isa, que não sabia se estava preparada para ser liberta.
Mas gosto de a ver assim, a escrever livremente. É assim que é Isa.
Não é loucura, podem pensar que é, mas já o Poeta dizia “Não sei quantas almas tenho”. A Isa é muitas almas e quase todas elas sou eu.
Sabem, há muitos anos que escrevo nos meus cadernos, nos meus cadernos que guardam letras azuis.
Aí, nesses cadernos, ficaram guardadas, até haver uma ideia lançada ao ar. E que não saía da cabeça da Isa, que continuava a puxar-me o braço e a dizer-me “Vá, vamos lá!”.
E assim nasceram, há dois anos, os Instantâneos a preto branco. Foram dois anos de descoberta, da minha escrita, que flui cada vez mais e que me dá ainda mais prazer. E de escritores e fotógrafos fabulosos, que tive o prazer de descobrir na blogoesfera e que me honram com as suas visitas e os seus comentários aos pequenos devaneios da Isa. Todos vocês me inspiram, e a todos agradeço também por isso.

Obrigada por me visitarem, por me lerem, e por me acompanharem neste pequeno - mas recompensador - projecto. Os Instantâneos nascem a Preto e Branco, mas cada um de vocês lhes dá côr.





Berço, Isa Lisboa

 Isa Lisboa is a character who has been living for year printed in white pages, and kept in my Pandora box. I’ve decided to let her go free and loose her voice through these virtual pages. 
Her story sometimes matches moments of my life. Other times, Isa get her own voice and tells her story.
Isa is stubbornly idealistic, even knowing that some worlds can not be changed, because they don’t want to.
She likes when people make her smile, and even more when they make her laugh. Get’s emotional with the strength of those who could give up, but still fight, always. Get’s annoyed at the pettiness of those who can not be in magnitude.
Fells small before the dizzying view from the top of a cliff as well as with the serenity of a small lake.
This is Isa…Or is that me…? 

That's how Isa came out of me to the world. It was not a particularly difficult or traumatic separation, even though at the beginning it has raised doubts in both of us. In me, because I didn’t know if I was ready to let her go. And in Isa, who didn’t know if she was ready to be released.
But I like to see her like this, writing freely.  So it is Isa.
It's no madness, you may think it is, but it’s like the poet said "I do not know how many souls I have." Isa is many souls and almost all of them is me.
You know, for years I wrote in my notebooks, in my notebooks that keep my blue letters.
Then, in those notebooks they were stored, waiting for an idea thrown into the air. And that idea would not leave Isa’s mind, who continued to pull my arm and telling me, "Go, come on."
And so were born two years ago, these black-white snapshots. They were two years of discovery of my writing, which flows more and it gives me even more pleasure. And of fabulous writers and photographers whom I had the pleasure of discovering in the blogosphere and who honour me with their visits and comments to Isa’s small reveries. You all inspire me, and I also thank everyone for that.

Thank you for visiting me, for reading me and for being with me in these small – but rewarding – project. This snapshots are born on Black and White, but you all give them colour.

sábado, 9 de março de 2013

Amanhã pergunta-me outra vez (republicação) / Ask me again tomorrow (republishing)

Rokia Traoré – Laidu

No próximo dia 13 o Instantâneos a Preto e Branco faz dois anos. Terei muito gosto em vos receber cá a todos, deixarei cá uma palavrinhas diferentes.
E agora que recordo um início, ou inícios, volto a um dos primeiros textos que aqui publiquei, vindo de um dos meus caderninhos. E porque escolhi este…? Não sei, amanhã perguntem-me outra vez!

........

Quero ficar aqui. Por um pouco. Espalhar a memória à minha volta, para não ter que folhear o álbum, e voltar atrás e à frente, a ligar as páginas.

Esperar que o Mundo venha ter comigo a saber se cabemos um no outro. Quando chegar deve querer saber onde pode sentar-se. Escolhe tu, hei-de dizer, que eu também não perguntei onde me querias. Vi um cantinho vazio, escolhi-o, sentei-me. Fui-me aconchegando, mudei-me aos poucos, primeiro a tralha de todos os dias, depois tudo o que parecia não ter lugar.

Gosto do canto. Duas paredes encontram-se num canto. Nos meios não cabe nada, por parecer que cabe tudo e todos se encaixarem lá.

E o Mundo vai puxar uma cadeira e sentar-se à minha frente e olhar-me nos olhos e de um movimento só, querer despir-me do que está a mais e querer vestir-me do que está a menos ou então vai dizer-me hoje vamos antes falar da filosofia, de porque é que a ameijoa vive numa concha e apanha boleia do mar e a águia voa para onde quer e depois pousa, e de qual queres ser, ou se nenhuma, ou se ameijoa com asas ou se águia que voa dentro de uma concha?

E hoje vou dizer-te não, não quero falar, quero olhar também para ti e despir-te devagar, e agasalhar-te se ficares com frio. E fechar os olhos e continuar a ver-te.

Amanhã pergunta-me outra vez, eu respondo-te.

Retirado do baú, escrito em 2005

***

On Feb. 13, the Instantâneos a Preto e Branco will be two years old. I will be delighted to welcome you all here; I will leave here some different words.
And now as I remember a beginning, or beginnings, I go back to one of the first texts  I published here, coming from one of my notebooks. And I chose this because ...? I don’t , ask again me tomorrow!

.....

I want to stay in here. For a while. To spread the memory around me, so that I don't need to look through the photo album, and go back and forward, connecting the pages.

To wait that the World comes to meet me and inquire if we can fit within eachother. When he arrives he will probably want to know where he can seat. You choose, I will reply, I didn't ask where you wanted me either. I saw an empty space, choose it, sat there. I've snuggled in, moved bit by bit, first the everyday stuff, then all that seemed to have no place to be.

I like the corner. Two walls meet in a corner. In the middles nothing fits, because it seems that everything fits and everyone joins there.

And the World will pull a chair and seat in front of me and look me in the eyes and with a single movement, try to undress me of what is too much and to dress me with that which is short. Or he will tell me, lets instead talk about philosophy, about why the clam lives in a shel e gets a ride from the sea and the eagle flys to where she wants too e then lands, and which do you wanna be, or do you wanna be none, or a clam with wings or an eagle who flyes inside a shell?

And today I will tell you: no, I don't want to talk, I want to look at you too and undress you slowly, and wrap you if you get cold. And close my eyes and still see you.

Ask me again tomorrow, I will answer you.

Written in 2005

terça-feira, 5 de março de 2013

Falta / Missing

tango in black by zabara_tango

Falta.
De me falares.
Ou do que me dizes?
De te tocar.
Ou de me tocares tu?
De te ver adormecer
Ou de me deixares acordada?

De me teres
Ou de me seres?

Das conversas com o Amor

Missing.
Hearing you.
Or of what you say to me?
Touching you.
Or of you touching me?
Watching you fall asleep
Or of you leaveing me awake?

Of you having me
Or of you being me?

From conversations with love

sábado, 2 de março de 2013

Ordem de despejo / Eviction order

Iyeoka - Simply Falling

Há muito tempo
que te dei ordem de despejo,
mas tu não queres sair.
Não deixas o meu coração
livre,
por mais que te bata à porta,
que te peça que saias,
que to ordene!

Não sais.

E fizemos um contrato,
quando o momento chegasse,
sairias,
deixarias o espaço vago.
Mas não cumpriste.

E não sei mais como te expulsar.

*-*

Long time
I gave the eviction order,
but you don’t want to leave.
Won’t let my heart
free,
as much as I knock at your door,
ask you to leave,
as much as I order it!

You won’t leave.

And we made a contract,
when the time came,
you would go,
you would leave the space vacant.
But you didn’t abide.

And I don’t know anymore how to kick you out.
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