Quem lê / Who's reading

"a escrita é a minha primeira morada de silêncio" |Al Berto

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

A menina que amava o Natal

Só faltava colocar a estrela no cimo da árvore - entendeu Raquel, em antecipação. Pegou-lhe delicadamente e, com um certo toque de cerimónia, colocou-a no seu sítio. Ali ela brilhava, imponente, todos os Natais.

Fazer a árvore de Natal era um ritual anual que a fazia vibrar desde que se lembrava. A mistura de cores por sobre o verde, o brilho das luzes, a escolha do local onde colocar as bolas de Natal, tudo isso era um pedaço de magia a acontecer. A estrela dava o toque final. Raquel sentia, que, ao colocá-la no cimo da árvore, de alguma forma dava luz ao Mundo, pelo menos um pouquinho. Quando era mais pequenina, não sentia assim esse gesto. Agora, que já tinha passado da idade de acreditar no Pai Natal e que já entendia muito do que via nos noticiários, percebia mais claramente o sentido da frase "Quem dera fosse Natal todos os dias."

Sabia que nem todas as crianças recebiam presentes no Natal ou tinham a mesa cheia de doces e coisas boas no Natal. Talvez nem todas pudessem fazer uma árvore como a dela, com materiais brilhantes, coloridos e perfeitos. Imaginou como seria se o seu Natal fosse assim.

Sentiria falta dos presentes, tinha que o confessar. Mas sentiria mais falta da antecipação, daquela que se tem quando se olha para o embrulho e se tenta adivinha o que está lá dentro. Também sentiria falta dos chocolates embrulhados em papel natalício e dos doces que a mãe faz. mas lembrou-se das tardes em que a família se reúne, ao domingo, com um pão-de-ló e uma caneca de leite quente. Se fosse esse o miminho da noite de Natal, ela também se sentiria feliz. Porque nessas tardes, o que realmente importava não era o bolo, era a sua família, reunida à sua volta.

Até a árvore, de que tanto gostava, poderia ter que a enfeitar com pedaços de papel branco. Sabia que a veria sempre com cor.

Porque o Natal existia onde o Menino queria que ele existisse: no coração dela!

E de cada vez que ela colocava a estrela no cimo da árvore, ele enviava um pouco de Natal, de Amor e de Luz, para todos os corações prontos a recebê-los.

Foto: www.pixabay.com



terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Your eyes (Poesia a duas canetas) por Nuno e Isa

Foto: Google

Your mysterious eyes
Your eyes are like a rainbow
Full of colours and life.
Your eyes are like the skies
Full of brightness and infinity
Your eyes are like the ocean
Full of power and emotion
Your eyes are like the sun
Full of light and fun
Your mysterious eyes…



Your eyes see mystery
In mine
And they read them
As if they were a beautiful story
Your eyes
Tell of sweet embraces
That I am safe in your arms.
Your curious eyes
They discover me, slowly, delicately.
Your deep eyes
Eyes were I can float
Calm waters, in strong ocean
Your eyes
Touch me gently
They see me
Your eyes, where I dive
With no fear
Your deep, surprising eyes.


Nuno e Isa

sábado, 12 de dezembro de 2015

Solitudes – Uns olhos


Foram uns olhos grandes, brilhantes, ávidos.
Sobretudo ávidos. E neles se liam sonhos, e esperanças e vida. Sobretudo vida. E liam-se sorrisos, e abraços, e peito aberto ao Mundo. E mãos, mãos estendidas, prontas a agarrar, a segurar. E seguravam. E seguravam-se.
E a vida foi acontecendo, mãos foram-se soltando, nos olhos se foram lendo a pouco e pouco outras palavras. Ainda os olhos não desistiram das primeiras. Mas elas foram desistindo deles.
E os olhos então foram doando palavras, a quem ainda as podia usar. E foram esquecendo que eram olhos brilhantes. E ávidos. Sobretudo ávidos.
Insistiam no entanto em viver. Ainda que agora só conseguissem viver mais devagar. E mais cansados. Teimando cansados. Cansados de teimar, aos dias.
Até que um dia, numa tarde que já se não sabia qual era, por ser tão igual – nesse dia que foi diferente, esses olhos adormeceram. E nessa tarde, ninguém os acordou.
Nas tardes seguintes, os dias continuaram iguais, indiferentes à luz que se extinguiu. E os olhos que um dia disseram sonhos, descansaram do que não foram e foi a realidade alheia que os encontrou, olhos que não conhecia. Os olhos de outrora, se tinham ido, ou se tinham ficado por outros dias. E então coube àqueles olhos desconhecidos olhar à volta, e não encontrando olhar algum, fechar definitivamente a cortina que há muito se abatera sobre aqueles olhos brilhantes. E sonhadores. E cheios de tudo quanto se esvaziou lentamente.


Isa Lisboa

sábado, 5 de dezembro de 2015

Solitudes – O primeiro dia depois de ontem

Foto: Crushed_ Desgarrada - Don_Gato
Acordou cedo e sentiu o Tempo à sua volta. Estranhamente, o Tempo era quente.
Despiu a camisa de dormir e foi tomar banho. Água morna. Passou o sabão azul e branco pelos cabelos, pela pele. Terminou com água quase fria. Sentia menos o calor, agora.
Ao sair, viu-se de relance ao espelho. Voltou atrás. À tanto tempo que não se via: os lábios que há muito não eram beijados, as carnes que nunca foram tocadas, as pregas na pele que a faziam esquecer a possibilidade de novas promessas. O cabelo húmido e branco pingava-lhe pelas costas. Usava-o num rolo, preso com ganchos; não para esconder o branco, mas apenas para o segurar. Nunca conseguiu cortá-lo.
Hoje era o primeiro dia depois de ontem.
Misturado com o calor, sentia ainda o cheiro das flores e ouvia o som das lágrimas que caíram despudoradas. Não as dela, essas só caíram durante a noite, até se sentirem exaustas e a fazerem adormecer.
Vestiu um dos vestidos de ir à rua e calçou as alpercatas.
Saiu e viu que a aldeia continuava. Passou pela igreja e estava vazia. Não entrou. Chegando á venda, aviou-se e, de saco na mão, sentou-se no banquinho em frente. Fechou os olhos e ouviu a voz fraternal. A única que sempre teve.
“Preciso que vás ver dele.”, disse-lhe ela. “Amanhã falamos mais.”
E ela levantou-se.
A casa era duas ruas mais à frente. Usou a sua chave para entrar, e começou a fazer o desenjum para ambos.
Sem precisar de o chamar, ele veio à porta. Também dormiu pouco.
“Hoje não vou à eira.” – disse ele.
“Pois que seja, fico cá contigo hoje. Hoje não é dia de rega. Só amanhã. Ficamos por casa….”
O dia passou-se em silêncio. Sem movimentos.
Anoiteceu.
Hoje era o primeiro dia depois de ontem. Hoje o seu irmão era viúvo.
E hoje ambos começaram a aprender a ser sós um com o outro.

Isa Lisboa

domingo, 29 de novembro de 2015

Solitudes - Neste frio longe de casa

Foto: Banco de Jardim em Londres by lilivanili
Procuro a tua história nos teus cabelos desgrenhados, na barba suja, há tanto tempo por fazer. Nas roupas também já não a encontro, porque também já não são tuas as vestes que envergas e, pelo menos à primeira vista atenta, não te encontro algo que tenhas guardado.
Tenho de olhar-te os olhos, apesar de não o querer fazer, custa-nos sempre encarar quem um dia podíamos ser. Teus olhos dizem-me tristeza, já o sabia, mas uma tristeza diferente, uma tristeza vazia, como o resto que leio em ti.
Será que já foste completo, ou este vazio foi apenas o culminar de uma vida que nunca teve nada a contar? Se já antes viveste, pergunto-me o que te empurrou para os braços desta morte que se enrola no frio de Lisboa, ou de qualquer outra cidade. Esta morte que se alimenta do que há, ou do que lhes traz a bondade alheia.
Imagino que olharás os anjos da noite com o mesmo desprezo que me atiras daí. Perguntando como pode alguém estender-te uma mão, se tu não a tiras debaixo do casaco, a não ser para a aqueceres debaixo da outra.
Alheio aos meus pensamentos – ou não? – fazes o gesto de adormecer, como que a mostrares-me o quanto sou aqui desnecessária…
Sigo então.
E neste frio longe de casa, só oiço os meus passos, num eco desconfortável, pelo interromper do teu silêncio e do meu.
Caminho para casa e tu ficas, o eco irá perder-se, e talvez durmas então.

Isa Lisboa

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Olhos de mar (Poesia a duas canetas)


Foto: Vadin Stein

Em teus olhos
Oiço o marulhar
Ondas que vão e vêm
Deixam marca na areia
Talvez a querer ficar;
Em teus olhos
Sinto o cheiro da maresia
Traz-me as memórias 
De quando era sereia
Adormecida num canto
Acordava em alto-mar;
Em teus olhos
Sinto o sabor do sal
Que se cola à pele
Tempera os sentidos
Doce sal
Em teus olhos viajo
Em teus olhos de mar.

Em teus olhos
Oiço o murmurar
Palavras que vão e vêm
Deixam marca no ar
Talvez a querer ficar
Em teus olhos
Sinto o cheiro da vida
Traz me as memórias
De quando era pescador
Adormecido no destino
Acordava perdido
Em teus olhos
Sinto o sabor do mel
Que acalma a pele
Acorda os sentidos
Doce mel
Em teus olhos voo
Em teus olhos misteriosos.


Olhos de mar, por Isa e Nuno





sábado, 7 de novembro de 2015

Give me back my soul

Arte; Victor Sheleg

Give me back my soul
It wasn’t yours to take
I only promised my love
I cannot breathe
Like this, not myself anymore

Give me back my soul
Without it
My body will be an empty shell
You’ll have no use of it
Nor my soul will be
Any good to you either
You cannot keep it in a bottle,
It will always find a breach
Where to get out from

So please, give it back
If you take it for too long
It won’t find her way back to me
And the woman you once
Pretended to love
Will be just a faint memory

Give me back my soul
She won’t belong to you
We will be both
Alone
Empty
With nothing inside


Isa Lisboa

sábado, 31 de outubro de 2015

Noite de Bruxas (Republicação)


Este conto foi escrito entre Novembro de 2011 e Novembro de 2012… Resgatado de entre memórias difusas, realidades que se confundem com sonhos, todas apanhadas pela caneta de uma escritora…




   I


Seguimos no carro por entre as árvores verdejantes, que formam um arco sobre as nossas cabeças, deixando a sensação de estarmos a ser guiados por um roteiro mágico. Ao fundo vislumbra-se por entre a vegetação densa o que parecem ser as torres do castelo de uma princesa de contos de fadas, quase espero que a fada Sininho passe alegremente a fazer as suas travessuras...


Ao longe vejo uma fogueira a crepitar no cimo da serra, mantém-se uma chama viva, apesar de a chuva bater cada vez mais forte. Lembram-me dos rituais que se diz são ainda praticados por aqui... Imagino pós a serem lançados à fogueira, mantendo aquela chama crepitante e tão misteriosa...


Chegámos à aldeia, seguimos agora pelas ruas estreitas, direita, esquerda, em frente, direita. Paramos junto ao velho coreto, imagino-o testemunha silenciosa e paciente de amores e desamores, revoluções e conspirações, danças pagãs e procissões em honra aos santos. Vários carros parados, um lugar vazio, um único, parece que reservado para nós.


Entramos, espera-nos um mestre de cerimónias, vestido a rigor. O seu olhar de imediato me prende os olhos, sinto a vento a fustigar-me as costas, a porta atrás de mim fecha-se com a força do vento.


Dirigimo-nos à mesa, um lobisomem entra furtivamente na sala, enquanto me sento em frente a uma aranha que se passeava pela mesa e que estranhamente parece olhar-me como se fosse uma presa... Por um breve momento, preciso lembrar-me de que é Noite das Bruxas, em que os monstros saem à rua, o único dia em que podem passear-se livremente, sem assustar os mortais...


Trazem-nos a ementa para a noite, o que me distrai das intrigantes sensações que me assaltam desde que cheguei. Como entrada, Salada de Tentáculos de Monstro Marinho, com Óleo de Azeitonas Embruxadas, seguindo-se Peito de Dragão Alado com Frutas dos Duendes embebidas em Poção Mistério. Assim avançamos até à sobremesa, Tarte de Frutos do Bosque Encantado com raspas de Asas de Morcego.


À volta, o lobisomem continua a passear-se, falando descontraidamente com uma vampiresa que parece pronta para voar pela noite em busca não entendo de quê...


Passamos ao pequeno jardim, onde abóboras suspensas no ar - como terão feito este truque - iluminam este espaço onde a noite se adensa. Trazem-nos um cálice, dizem-nos que são lágrimas de feiticeira, néctar muito raro, que temos que provar, pois nunca esqueceremos o sabor daquela bebida exótica. Começo por saborear um pouco, deixando o sabor apoderar-se dos meus lábios, sinto uma mistura de doce com pimenta, que fervilha na pele, convidando a beber mais. Arrisco e sinto que um leve fogo me queima a garganta, e avança pelos meus músculos, sinto como que um vórtice me suga e perco os sentidos...! 

Acordo ouvindo vozes há minha volta, parecendo distantes como se um vidro estivesse entre nós... Abro mais os olhos e vejo que existe, sim, um vidro, à minha volta, redondo, com filigranas de cor rubi... como os do copo de que acabei de beber... Vejo à minha frente a cara do Maître, um gigante...Não, não é gigante, sou eu que estou minúscula, dentro do cálice que me ofereceram. Ainda adormecida de todas estas novas sensações, tento perceber o que se passa,  consigo perceber que não chegarei ao topo, não vislumbro como poderei sair... O Maître diz-me "Não podes sair", como se adivinhasse os meus pensamentos. Começo a recuperar as forças, e bato no vidro, que se passa, onde me levas, responde-me...


Entrega-me noutras mãos e vejo à minha frente aqueles olhos perturbadores que ao início da noite me chamaram a atenção... Ao olhá-lo mais de perto, sinto o corpo adormecer, fico quieta, presa naquele olhar... Bebeste as lágrimas de feiticeira... Quando te vi, sabia que as provarias... Que queres de mim??? Como aconteceu isto...? Pergunto, com um misto de confusão, medo, sensação de que apenas posso estar a sonhar... As lágrimas de feiticeira são poderosas, quem as bebe fica prisioneira de quem serviu o cálice... Porque me queres como tua prisioneira? Os seus olhos não paravam de me fixar, como se estivessem mais fascinados comigo, do que eu estava com tudo aquilo, sentia-me já não com medo, mas como que hipnotizada... 


Não irei fazer-te mal, prendi-te neste cálice porque quero olhar-te, um dia já fui assim, e perdi quem eu fui... Quem tu foste? Já fui humano e com o olhar cheio de esperança como tu, tornei-me numa criatura da noite e não me lembrava de como era antes... Quero levar-te comigo, posso contemplar-te durante horas a fio, será que consegues devolver-me um pouco do que era...?


Fiquei suspensa daquelas palavras, daquele olhar saudoso e que sofria... Não precisas de mim para te lembrares como é ser humano, disse-lhe, se não estivesse ainda dentro de ti, não o terias reconhecido quando me olhaste, eu seria indiferente para ti, apenas mais uma mortal... Sei que te lembras, e sei que também te lembras que não se prende a esperança, porque senão ela morre... 


Tens razão, não posso manter-te aqui... Passou a mão por cima do cálice e de novo um vórtice me puxou, desta vez para fora do copo. Obrigada, disse eu, e sem saber se o devia fazer, peguei-lhe na mão, enorme, com garras, assustadora... Por momentos vi, vi quem tinha sido aquela criatura do imaginário... Vi que foi um homem com sonhos, alegrias e, sim, esperança... Vi como perdeu tudo isso, como se transformou num dos nossos medos mais profundos... 


Senti vontade de ficar ali mais um pouco, apesar de ele me dizer "Estás livre, podes ir embora, ninguém te travará." Fiquei, mais um pouco, lembrei-lhe daquelas pequenas coisas que fazem os humanos felizes, vi um brilho nos olhos dele, ouviu tudo e disse, "Preciso ir-me embora, apenas na Noite das Bruxas podemos estar entre os humanos, a noite está a acabar."


"Posso voltar na próxima Noite da Bruxas?", perguntei. Não esperei pela resposta, "Até daqui a um ano, estarei aqui", e saí, livre, como tinha chegado.


II

Há um ano que a serra me chama. Embrenho-me cada vez mais nas suas profundezas e nem sinal do meu misterioso amigo. A não ser a estranha convicção de que alguém me observa, a uma distância que não sei quanto segura é.


Quase me aventurei na noite, disposta até a encontrar vestígios dos velhos rituais que não sei se já consigo compreender.


Mas só numa noite do ano podemos estar entre os humanos, disse-me ele. Não fora isso, e o apelo da noite seria – suspeito - irresistível. Só assim já me acorda a meio da noite, arrancando-me de um sonho que acaba sempre da mesma forma.


Volto àquele sítio, sou eu mesma, vejo o meu rosto reflectido nos espelhos, não foi sonho, não naquela noite, apenas nas que se seguiram.


Aproxima-se outra noite das bruxas, ainda sei o caminho, voltarei lá. Vou cumprir a minha promessa, não apenas para manter a minha palavra, mas porque os sonhos não me são suficientes.



III

Noite de bruxas.


A lua cheia ilumina-me o caminho, por entre uma chuva fininha que deixa pequenas marcas na estrada, como que a deixar a marca do caminho de volta a casa. Que neste momento não sei se quererei encontrar.


Chego às mesmas ruas estreitas, direita, esquerda, em frente, direita. Lá continua o velho coreto, a olhar-me imponente, como se me conhecesse a mim e ao meu destino. Olhei à volta e encontrei as escadas, subi.


De lá de cima via-se a vegetação à volta, densa, envolta por um nevoeiro que parecia poder tocar-se.


De entre essa nuvem branca surgiu uma sombra na noite, que se materializou ao meu redor, sussurrou-me ao ouvido “Vem comigo”, e eu disse sim. Envolveu-me na sua capa e levou-me, esquerda, frente, direita, esquerda, vento, árvores, perdi o caminho.


“Onde estamos?” – quis eu saber.


“Em minha casa” A  mesa já estava posta para os dois, não queria jantar, queria perguntar-lhe tanta coisa, queria dizer-lhe tanta coisa, mas ele puxou-me uma cadeira, sentei-me.


Satisfez-me a curiosidade, deixou que o inundasse de perguntas. Calei-me então, e ganhei coragem para lhe dizer: “Tens vindo visitar-me, aos meus sonhos.” “De dia sou eu, de noite, estou contigo.”


E estendi-lhe a mão, “Quero que me vejas, como eu te vi naquela noite.”


Segurou-me a mão, gentilmente, apertou-a entre as suas mãos de fábula, e libertei a minha alma, para que a visse, para que se visse como eu o via.


Quando abri os olhos, vi que os seus estavam tristes. Que se passa?, perguntei. Não devias querer estar comigo. Porquê? Tens apenas uma vida para viver, não a eternidade de momentos para desperdiçar. E porque seria desperdício, estar aqui, contigo? Lembras-te do que te disse? Apenas numa noite do ano estou visível aos humanos… Eu sei, mas senti-te comigo nas outras noites, até durante o dia… Apostaria que estavas perto… Estava perto, mas não te poderei nunca tocar, apenas ver-te dormir, enquanto sonhas. Mas hoje não…


Lá fora a chuva aumentou, batia forte nos vidros, podia imaginá-la a formar um rio, um rio que nos renovaria.

E assim ao som da chuva, a nossa pele se fez igual, as mãos, os braços, os lábios, iguais, podiam tocar-se, sem medos, sem mais que o outro. E assim numa noite amei como se um ano fosse, como apenas numa noite mágica o poderia fazer. Deixei de ser eu, deixou de ser ele, na realidade não interessava, tudo éramos nós.


O nascer do sol aproximava-se, percebeu. Trouxe-me um cálice e ofereceu-me. “Não são lágrimas de feiticeira?” – Perguntei. Sorri. “Não, não quero prender-te mais. Nunca mais.”


Era quente, doce, mas tinha um toque amargo, bem lá no fundo, quase imperceptível, mas que ficou a escorregar-me na garganta, tentando libertar-se do doce. “O que é?” 


“Chá de Lethe” (*). Tocou-me docemente numa madeixa do cabelo, com um olhar de saudade que me deixou confusa, beijou-me de novo e eu deixei-me ir, esqueci o toque amargo do líquido que acabara de beber.


IV

Tenho acordado sobressaltada, os sonhos não me deixam. Não os entendo, voo pela serra, mas não tenho asas, nem sequer corpo, voo e não chego a lugar nenhum, limito-me a deambular, perdida nos céus da serra. Todos os dias sonho, todos os dias o sonho me acorda. Antes sonhava que bebia um vinho rubro, o vidro quebrava-se-me nas mãos, o líquido inundava o chão e eu fundia-me com ele, não me afogava, apenas deixava de existir ali. Agora sonho com os céus da serra.

Sonho em sobressalto, acordo e sinto um vazio que não sei tocar, a que não sei dar nome.

O meu caderno tem algumas folhas arrancadas. Não sei porquê. Talvez tenha lá escrito os sonhos de outras noites, porque me parece que já estive neste sonho antes.



Tenho menos sonhos agora. As noites são mais calmas. Os dias também. Eu não.

Está sol. O dia está bonito. Mas espero a noite. A lua é mais bonita, faz inveja ao sol. A noite é silenciosa, posso sentar-me a ouvir. Oiço muitas coisas à noite, muitas histórias, muitos murmúrios. Tento ouvir-me a mim mesma, há algo que tento ouvir. Mas não sei o que é. Mais difícil encontrar, quando não se sabe o que se procura.



A lua está tão bonita hoje. Ali, no cimo da colina. Parece que dorme no seu regaço. Junto à casa da colina. Sempre me fascinou, aquela casa, escondida lá em cima. Não sei bem porquê. Um dia irei lá.



Na Grécia Antiga, Lete ou Lethe (em grego antigo λήθη; [ˈlεːt̪ʰεː], grego moderno: [ˈliθi]) literalmente significa "esquecimento".

Na mitologia grega Lete é um dos rios do Hades. Aqueles que bebessem ou até mesmo tocassem na sua água experimentariam o completo esquecimento.

sábado, 24 de outubro de 2015

Lonely star


Lonely star, por Isa Lisboa

Lonely star
So far from your sisters
Yet how bright you are
You bring light
To this night of mine.
Did you come for me?
No, I have not forgotten
There will be another day
In just a few hours
Sooner than it seems now
The sun will rise again.
But for now it is dark
And I had to recognize it
One tries to flee
From the shadows
But they also are.
And so here I am
Letting the night embrace me
But not invade me
My body needed shadows
But my soul is light
I am like you, little one
Lonely star in the sky
Holding on
To the brightness within!

Invernos, Sonhos e Andorinhas - Onde comprar?



Algumas pessoas têm perguntado onde o livro pode ser adquirido, por isso aqui deixo aqui as diversas formas como podem adquirir o livro em Portugal.
Para os amigos do Brasil, brevemente estará também disponível no Brasil, pelo que vos peço um pouco mais de paciência.
Seguem então os locais onde podem adquirir o livro:

Online:

Livrarias:
Desassossego:
Rua de São Bento, nº34
1200-815 Lisboa

Livraria Papelaria 115
Praça 8 de Maio, n.º 29
3000-300 Coimbra

Livraria Celas
Av Calouste Gulbenkian
Centro comercial Primavera, Loja 13
3000-090 Coimbra

Livraria Caminho
Rua Pedro Santarém, n.º 41
2000-223 Santarém

Livraria de José Alves
Rua da Fábrica, n.º 74
4050-246 Porto

Livraria Esperança
Rua dos Ferreiros, 119
9000-082 Funchal

Nazareth e Filho
Praça do Giraldo, 46
7000-406 Évora

Livraria Graça
Rua da Junqueira, n.º 46
4490-519 Póvoa do Varzim

Livraria Etna
Avenida 25 de Abril, lote 24 R/C
8500-511 Portimão

Livraria Lusíada de Libânio Jorge
Rua Teófilo Braga nº 110
8900-333 Vila Real de Santo António

Livraria Oswaldo Sá
Rua 25 de Abril, 435
4710-913 Braga

Por encomenda ao balcão (ou seja, solicitem no balcão a encomenda do livro, caso não esteja disponível na loja), nas seguintes cadeias:

Fnac e Bertrand

Livros autografados:
Contacto por mensagem privada no facebook ou para isa.lisboa.blog@gmail.com

Boas leituras! smile emoticon

domingo, 18 de outubro de 2015

Invernos, Sonhos e Andorinhas - Obrigada



Em insuspeito dia de Inverno, a sala da Biblioteca de Sintra encheu-se de amigos para partilharem comigo o meu Sonho!

Obrigada a todos os amigos que estiveram presentes, na Biblioteca e em pensamento, à Chiado Editora pela oportunidade de editar o meu livro, à Câmara Municipal de Sintra e à Biblioteca de Sintra pela cedência do espaço, à Junta de Freguesia de Almargem do Bispo que se fez representar.

Um obrigada particular à Clara Borges e à Tania Novo, que estiveram ao meu lado neste dia e durante todo o processo de escrever o livro; à Fátima Marques, que só não esteve cá hoje porque está a quilómetros de distância, mas que sempre me tem apoiado; e ainda à Ana Moreira, por ter fechado este momento com chave de ouro, com a sua bela voz!



E ontem, as andorinhas dormiram comigo! 


Sonhem e voem! ;)




Post Scriptum:
Podem continuar a seguir as novidades sobre o livro no facebook


quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Invernos, Sonhos e Andorinhas - Lançamento a 17 de Outubro


Caros amigos, venho deixar-vos notícias quanto ao lançamento do meu primeiro livro:




Terá lugar na Biblioteca de Sintra, no próximo dia 17 de Outubro, às 16:00. Terei todo o prazer em receber quem puder juntar-se a mim neste dia e conhecer este meu primeiro projecto em livro!

Convido-vos ainda a seguir as novidades do livro na página do Facebook, aqui.

Deixo um abraço a todos e um enorme obrigada por todo o apoio que tenho recebido! :)

sábado, 26 de setembro de 2015

Rosa Maria

Desenho: Luana Santos, 2013
Maria Rosa chegou.
A noite ficou lá fora.
Acabou.
Ela acabou quando a noite acabou.
Alimenta-se
Da música
Dos neóns brilhantes
Dos aromas da noite - 
Tão diferentes dos do dia -
Dos sons que se misturam
Distintos na sua indistinção
Dos sorrisos, dos risos
Às vezes beijos, abraços
Atrevidos
A pele treme
Na noite
Na noite que ficou lá fora
Tudo se dilui na chuva de gente
Feliz. Feliz porque ri.
Feliz porque dança. Feliz.
Aqui silêncio.
Aqui espaço vazio.
Da noite, só o vestido
Vermelho
Sobrou. A noite acabou.
Rosa Maria foi quem
Sobrou.
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