Onde mora Petra?
Todos a conheciam, na última
casa ali ao fundo, aquela pequenina, de telhado vermelho, com a luz mais
fugidia da rua.
Bateu à porta, uma mulher que
passava olhou-o, como se já o tivesse visto antes.
Petra veio à porta, o que
fazes aqui? Agora não é hora de trabalho e nunca atendo aqui, esta é a minha
casa.
Vim ver-te, Petra, quero falar
contigo, deixa-me entrar.
De todos os seus clientes,
Tomás era o mais gentil. Por vezes, até a fazia achar que o Mundo era belo,
como nos livros que tinha sempre consigo, que às vezes lhe lia.
Deixou-o entrar.
Petra, vou-me embora,
chamaram-me à cidade.
Não precisavas vir aqui
dizer-me isso, atirou Petra, surpreendida pela amargura que reconheceu na sua
voz.
Quero que venhas comigo.
Não sejas tolo, que iria eu
fazer contigo??
Recomeçar, disse-lhe ele,
comigo. Sabes bem que te amo, que…
Amor? – interrompeu-o. Palavra
estranha aquela, sempre o achara. Nem me conheces, não me chamo Petra, sequer.
Vem comigo e muda o nome para
o que quiseres.
Petra sabia que o amor era
efémero e que Tomás seria um dia do Mundo, do Mundo dos seus livros, que
escreveria novas páginas, de outros livros. E que ela não teria, então, lugar
nesse Mundo.
Sou Petra e serei sempre
Petra. Vestida em vermelho fulgurante, despida em lençóis baratos, oculta pela
noite.
Amada entre quatro paredes,
pensou Petra. As paredes que abafaram o resfolegar húmido do primeiro dia. Que
abafaram o som das lágrimas que acabaram misturadas em suor, ignoradas nos
lençóis.
Petra sabia que para lá
daquela porta só chegava quem procurava enganar a solidão. A maioria procurava
apenas libertar o desejo. Alguns procuravam o amor de ilusão consentida.
Petra não precisava ensaiar,
fazia o seu papel de improviso, sempre de acordo com o argumento que esperava quem
chegava.
Assim era amada por uma hora,
uma noite. E esquecida no dia seguinte.
Sou Petra, não sei ser mais
ninguém. Serei Petra até que o meu corpo murche e deixe de ser bonita na luz
fraca da noite. Pertenço à penumbra, sou Petra à noite, durante o dia sou
ninguém. Deu-lhe um beijo leve nos lábios e empurrou-o para a porta. Adeus.
A noite estava a chegar.
**
Do you know where Petra lives?
Everyone knew her, the last
house in the corner there, that little one, with red roof, and the most elusive
light on the street.
He knocked on the door, a
woman passing looked at him as if she had seen him before.
Petra came to the door, what are you doing here? Now
is not the time for work and never receive clients in here, this is my home.
I came to see you, Petra, I want to talk to
you, let me go in.
Of all her clients, Thomas was
the kindest. Sometimes he even made her think the world was beautiful, like in
the books that he had always with him, that sometimes he read to her.
She let him in.
Petra, I'm leaving, I was called to the city.
You did not have to come here
to tell me this, threw Petra,
surprised by the bitterness she recognized in her own voice.
I want you to come with me.
Don’t be silly, what would I
do with you there?
Start over, he told her. You
know I love you, you ...
Love? – She nterrupted him.
Strange word that one, she had always thought so. You don’t know me, even my
name, it’s not Petra.
Come with me and your name to
whatever you want.
Petra knew that love was fleeting and that Thomas
would be of the World one day, the World of his books, he would write new pages
in other books. And then she would not have a place in this World.
I am Petra
and will always be Petra.
Dressed in brilliant red, undressed in cheap bed sheets, hidden by the night.
Loved between four walls,
thought Petra.
The walls that muffled the damp snort of the first day. That drowned out the sound
of tears mixed with sweat, which ended up ignored in the sheets.
Petra knew that through that door only came those who
seeked to deceive solitude. Most sought only to liberate desire. Some sought
the love of consented illusion.
Petra did not need to rehearse, she did her part
improvising, always according to the argument that those who came expected.
So she was loved by one hour,
one night. And forgotten the next day.
I'm Petra, I can not be anyone else. Petra I will be until my
body wither and I cease to be beautiful in the dim light of the night. I belong
to the gloom, I'm Petra
at night, during the day I am nobody. She gave him a light kiss on the lips and
pushed him toward the door. Goodbye.
The night was coming.