Quem lê / Who's reading

"a escrita é a minha primeira morada de silêncio" |Al Berto

terça-feira, 10 de julho de 2012

O palhaço malabarista / The juggler clown (II)

"Applause for 'Blast!' at the Kneehigh theatre", by Gordon Plant


-- II --

Hoje não houve alternativa. Alberto nunca falhara um dia de palco em toda a sua longa carreira, mas hoje a sua saúde cedeu, deixou-o de cama.
Já tinha colocado as roupas coloridas, os enormes sapatos, a cabeleira de caracóis. Olhou-se novamente ao espelho, apenas mais um pouco de vermelho, para alargar o sorriso. E, finalmente, o nariz de palhaço! Vendo a sua verdadeira imagem reflectida no espelho, pensou mais uma vez no Alberto, e em como lhe iria agradecer esta oportunidade, ao Alberto que nunca ficava doente.
Abriu a porta do pequeno camarim e enquanto se dirigia ao palco começou a sentir um nervoso miudinho, diferente do que sentia habitualmente. Não havia o perigo de deixar cair um dos malabares, mas antes o terrível perigo de que uma criança não risse.
O mestre de cerimónias anunciava já o seu número. Fechou os olhos e voltou a abri-los, perante o mundo com que tanto sonhara.
Durante os 15m da actuação, tropeçou, riu, disse tolices, deu cambalhotas, caiu sobre si próprio.… O público respondia entusiasticamente, nem precisaria da ovação final, já tinha recebido risos, não pedia mais nada naquele momento.
Nessa noite, dormiu feliz.
Acordado pelo Alberto, recebeu um abraço de parabéns, o Alberto estava já muito melhor.
Voltou ao seu treino de malabares, não muito concentrado, revia a actuação da noite anterior, as palmas, como ainda ouvia as palmas.
Horas mais tarde, o Alberto veio ter consigo, cabisbaixo, tentara convencer o Marco a deixá-los fazerem dupla, mas ele não acedeu. Não lhe contou os pormenores, mas ele conseguia quase ouvir a resposta, não havia surpresas. O palhaço-malabarista abraçou o seu mestre, “Não faz mal, agradeço-lhe esta oportunidade. Como sempre me disse, eu sou palhaço, malabarista é apenas algo que sei fazer. É isso que me importa”
O palhaço saiu da tenda, ainda a tarde começava. Dirigiu-se ao outro lado da cidade. Lá estava montado um outro circo, um circo que estava a dar os primeiros passos, mas de que já se começava a ouvir falar. Talvez precisassem de um palhaço que também estava a começar…! Apenas sentiria falta do Alberto, mas a distância pode sempre encurtar-se.


Texto enviado como participação num desafio da Fábrica das Letras: http://fabricadeletrasepalavras.blogspot.pt/2012/07/tema-de-julho-motivacao.html

*-*-*-*-*-*-*-*-*


Today he had no alternative. Alberto never failed a day's stage throughout his long career, but now his health gave way, left him in bed.
He had puted on the colourful costumes, the huge shoes, the curly hair. He looked again at the mirror, just a little more red, to widen the smile. And finally, the clown nose! Seeing his true image reflected in the mirror, he thought once again about Alberto, and how he would thank him for this opportunity, to Alberto, who never got sick.
He opened the door of the small dressing room and as he walked to the stage he began to feel nervous, but it felt different than usual. There was no danger of dropping one of the juggling pieces, but the terrible danger that a child didn’t laugh.
The master of ceremonies already announced his number. He closed his eyes and opened them again, before the world that he dreamed about.
During his 15m performance, he stumbled, laughed and said foolish things,  fell upon himself ... The public responded enthusiastically, no need for the final ovation, he had received laughs, he didn’t ask for anything else at that time.
That night he slept happy.
Awaken by Alberto, he received a hug of congratulations, Alberto was already much better.
He returned to his juggling training, not very concentrated, reviewed the performance of the night before, the applause, oh he still heard the applause.
Hours later, Alberto came to him, head down, he had tried to convince Marco to let them double on the show, but he didn’t agree. He didn’t share the details, but he could almost hear the answer, no surprises. The clown-juggler hugged his master, "It's okay, thank you for this opportunity. As you always told me, I'm a clown, juggler is just something I can do. That's what’s important"
The clown came out of the tent, to the afternoon that began. He went to the other side of town. There sat another circus, a circus that was taking its first steps, but that was already beginning to be heard of. Maybe they needed a clown who was also starting...! He would miss the Alberto, but the distance can always be shortened.


(To read the begining of the story)

4 comentários:

  1. Obrigado, amiga, pela ternura, simplicidade, humildade, com que escreveu, e pôs a falar o palhaço, como sempre, sábio.

    ResponderEliminar
  2. Minha querida

    Um belo texto...muito doce e terno que adorei ler...suave.

    Um beijinho com carinho
    Sonhadora

    ResponderEliminar
  3. Uma escrita fluida e muito agradável.
    beijinho.

    ResponderEliminar
  4. E sem alternativa, não pode actuar.
    Texto giro.

    ResponderEliminar

Um espaço para recortes que completem o álbum de instantâneos... Obrigada pela visita!
A space for clip to complete this snapshot album... Thank you for your visit!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Mensagens populares / Popular messages