Quem lê / Who's reading

"a escrita é a minha primeira morada de silêncio" |Al Berto

quarta-feira, 30 de março de 2011

O Mundo é bicolor

Pincéis, Foto by Isa Lisboa
Um pintor senta-se na banqueta e olha para a tela.
Depois olha longamente para o seu modelo. A tentar reduzi-lo ao tamanho da tela.
Depois olha para a paleta.

Primeiro uma pincelada preta e uma branca. As que estão lá há mais tempo.
Depois vermelho e preto. Branco e azul. Vermelho e branco. Amarelo e azul.

O pintor olha para a sua obra. Pintou um retrato fiel. O seu modelo aprova.

O pintor sugere: um pouco de laranja aqui e ali um pouco de lilás. E um pouco de castanho também. E de cinzento. "Não", gritam.
E se for encarnado, e cor-de-tijolo, e azul marinho, azul bébé, azul petróleo?

"Não", gritam outra vez, "O Mundo é bicolor!"

Retirado do baú, Escrito em 25.Nov.2005

terça-feira, 29 de março de 2011

Transformação

Tudo se transformou.

Foi como se o Universo explodisse de novo e eu fosse arrastada pela poeira que se formou.

Senti que as minhas memórias queriam fugir e agarrei-me aos lugares onde fiquei. Deixei ir os que passaram por mim, os que se me ofereceram como destino turístico. Vi alguns serem atraídos pelos buracos negros.

Atingi a velocidade da luz, senti o meu corpo desfazer-se em todas as lágrimas e todos os risos e cheguei ao Infinito.

E quando o meu corpo retomou uma forma, lembrei-me de quem sou.

Retirado do baú, Escrito em Janeiro de 2006

Esgueirar-me...

Fundir-me com as pedras da calçada, ser alcatrão quente a esgueirar-me por entre os espaços, derreter, evaporar.

Ou será que ser gelo, neve, frio?

Retirado do baú, escrito em Agosto de 2009

quinta-feira, 24 de março de 2011

Amanhã pergunta-me outra vez... / Ask me again tomorrow

Quero ficar aqui. Por um pouco. Espalhar a memória à minha volta, para não ter que folhear o álbum, e voltar atrás e à frente, a ligar as páginas.

Esperar que o Mundo venha ter comigo a saber se cabemos um no outro. Quando chegar deve querer saber onde pode sentar-se. Escolhe tu, hei-de dizer, que eu também não perguntei onde me querias. Vi um cantinho vazio, escolhi-o, sentei-me. Fui-me aconchegando, mudei-me aos poucos, primeiro a tralha de todos os dias, depois tudo o que parecia não ter lugar.

Gosto do canto. Duas paredes encontram-se num canto. Nos meios não cabe nada, por parecer que cabe tudo e todos se encaixarem lá.

E o Mundo vai puxar uma cadeira e sentar-se à minha frente e olhar-me nos olhos e de um movimento só, querer despir-me do que está a mais e querer vestir-me do que está a menos ou então vai dizer-me hoje vamos antes falar da filosofia, de porque é que a ameijoa vive numa concha e apanha boleia do mar e a águia voa para onde quer e depois pousa, e de qual queres ser, ou se nenhuma, ou se ameijoa com asas ou se águia que voa dentro de uma concha?

E hoje vou dizer-te não, não quero falar, quero olhar também para ti e despir-te devagar, e agasalhar-te se ficares com frio. E fechar os olhos e continuar a ver-te.

Amanhã pergunta-me outra vez, eu respondo-te.

Retirado do baú, escrito em Agosto de 2005


Foto da web


I want to stay in here. For a while. To spread the memory around me, so that I don't need to look through the photo album, and go back and forward, connecting the pages.

To wait that the World comes to meet me and inquire if we can fit within eachother. When he arrives he will probably want to know where he can seat. You choose, I will reply, I didn't ask where you wanted me either. I saw an empty space, choose it, sat there. I've snuggled in, moved bit by bit, first the everyday stuff, then all that seemed to have no place to be.

I like the corner. Two walls meet in a corner. In the middles nothing fits, because it seems that everything fits and everyone joins there.

And the World will pull a chair and seat in front of me and look me in the eyes and with a single movement, try to undress me of what is too much and to dress me with that which is short. Or he will tell me, lets instead talk about philosophy, about why the clam lives in a shel e gets a ride from the sea and the eagle flys to where she wants too e then lands, and which do you wanna be, or do you wanna be none, or a clam with wings or an eagle who flyes inside a shell?

And today I will tell you: no, I don't want to talk, I want to look at you too and undress you slowly, and wrap you if you get cold. And close my eyes and still see you.

Ask me again tomorrow, I will answer you.

Writen in August, 2005

terça-feira, 22 de março de 2011

Rituais

"Descer às entranhas da nossa alma, enfrentar os nossos medos e falhas e sair, purificados e mais perto da divindade."

Quinta da Regaleira, Sintra, by Isa Lisboa


Descer, degrau a degrau, fechando os olhos, para melhor ver na escuridão. percorrendo o labirinto, sem saber o que vou encontrar, a sinistra ou a dextra. Buscando as minhas imperfeições, descubro as perfeitas imperfeições das paredes frias. Paredes frias como a água no Verão, húmidas como uma folha orvalhada.
E quando encontramos a saída e voltamos a ver a luz, temos que abrir os olhos e readaptá-los.

Mais perto da divindade? Da divindade clássica, com um equilíbrio entre a certeza e a dúvida, fugacidade e eternidade?
Purificada? Depois do contacto comigo mesma? Sim, até necessitar descer de novo.


Retirado do baú, escrito em 04.09.2004

sexta-feira, 18 de março de 2011

A blank wall

I still have a blank wall. Naked. Pure. So full of possibilities.

I can put a painting there. I can repaint it in blue, green, yellow. Maybe red, if I want to.

I had to touch it. As my hand went through the cold concrete, covered with a cold layer of ink, I felt the warmth in it's veins.

A new begining. I felt like... I felt a desire to enter that wall, like Alice went through the mirror.

Except that I didn't want to find Wonderland. I wanted to go back to when I was a painting still wainting for colour.

Retirado do baú, escrito em 20.11.2004

Hoje. Fica comigo hoje / Today. Stay with me today...

Fica comigo. Descobre-me a pele, os poros.
Fica comigo hoje. Amanhã.
Não me digas de onde vens. Diz-me que estás aqui. Hoje.
Prende-me. Com amarras de ar. Para poder desapertá-las quando fingires que não estás ver. Para partir quando começar a querer ficar.
Sabes que volto, só quando o vento acalmar, quando não souber onde estou, quando tu souberes onde estás, mesmo que não saibas onde vais.
Retirado do baú, escrito em 30.Junho.2007

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Stay with me today. Discover my skin, my pores.
Stay with me today. Tomorrow.
Don't tell me where you're coming from. Tell me you' re here. Today.
Tie me. With ties of air. So that I can loosen them when you pretend you're not watching. So that I leave when I start wanting to stay.
You know I'll came back, only when when the wind settles down, when I don't know where I am, when you know where you are, even that you don't know where you're going.
Written in 30.Junho.2007

domingo, 13 de março de 2011

Parar...

Parar. Por uns momentos. Esconder-me do Mundo. Esquecer tudo, tudo. Como se não existisse mais nada.

Respirar fundo. Sentir todos os meus músculos a relaxar.

Nada mais à volta. Ninguém. Nada importa. Não importa quem sou, o que quero, o que não quero, o que não tenho, o que tenho, o que fiz, o que não fiz, o que tenho que fazer, o que vou fazer.

Voltar à Natureza. Sentir o turbilhão do Universo. Não importa a sua grandeza. Tudo é relativo.

Não importa. Quem sou. Como sou. Como poderia ser. Nada importa.

Fechar os olhos e abstrair-me de tudo. Parar. Simplesmente parar.

Retirado do baú, escrito em Maio de 2002

Túnel

Estou no meu carro, a conduzir na auto-estrada. Túnel. Não sei porquê, mas chama-me a atenção o tecto do túnel, noto a simetria crua e simples das imagens que se sucedem. Fim do túnel.

De novo uma estrada à minha frente. Sinto-me invadida por um torpor, que não sei se é sono ou a paz comigo mesma que de repente sinto. Sinto vontade de seguir em frente, mas mudo de direcção maquinalmente, dirijo-me para casa.

Aqui está escuro, preciso de mais luz. Melhor. No rádio continuam a passar as músicas que me transportam para trás, às recordações que tenho e às que não tenho. E dou por mim a não sentir falta das recordações que não tenho, porque agora tenho outras.

Chego a casa, livro-me de tudo e deito-me, sem certezas, mas com respostas, certas ou não, talvez amanhã saiba melhor. Se não for amanhã, não é importante, saberei. Vou apagar a luz e recordar a viagem.


Retirado do baú, escrito em Maio de 2010
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